História da Igreja Vol I - Estudos Bíblicos

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur ad elit.
Morbi tincidunt libero ac ante accumsan.
Estudos Bíblicos
Pr. Jorge Albertacci
Levantai os vossos olhos para as terras que já estão brancas para a colheita. (João 4:35)
Ir para o conteúdo

História da Igreja Vol I

Igreja
HISTÓRIA DA IGREJA CRISTÃ
 
Volume I
 
INTRODUÇÃO
 

Uma das coisas que tornam o estudo da História da Igreja cristã tão fascinante é o fato dela mostrar que o Deus eterno está agindo no mundo, sustentando-o e sobretudo, empenhado em salvar o ser humano. A operação divina neste sentido é notada, principalmente, quando lendo a história, vemos como Ele usou nações, povos, pessoas e meios os mais diferentes e diversos, para instrumentar a manifestação do seu Filho Jesus Cristo ao mundo.
 

I - PRIMÓRDIOS DA IGREJA
 

Para termos uma melhor compreensão da preparação do mundo para a manifestação de Cristo e consequente advento do Cristianismo, precisamos considerar, principalmente, a contribuição que para isso foi dada pelos três grandes povos de então. Estes povos foram os Romanos, os Gregos e os Judeus. Cada um, ao seu tempo, pela providência do Deus que determina todos os fatos da história, criou as condições da sociedade em que o Cristianismo apareceu, se expandiu e cresceu, durante os seus primeiros anos de conquista. Destacamos estes três povos, por causa da influência que exerciam sobre o mundo de então. Sem saberem que estavam sendo instrumentados por Deus, o Senhor da História, estabeleceram leis, revogaram leis, enfim, provocaram uma série de situações que só contribuíram para a vinda de Jesus, o estabelecimento, expansão e fortalecimento da Igreja.
 
 

II - OS ROMANOS E OS GREGOS
 

Dentre os três grandes povos que contribuíram na preparação do mundo para receber o Messias e para a inauguração da era da Igreja, neste Texto em particular, destacam-se os Romanos e os Gregos.
 

Os Romanos:
 

Quando o Cristianismo surgiu, os romanos eram os senhores do mundo. Assim os consideramos, apesar de não podermos nos esquecer que nessa época havia inúmeras regiões do mundo fora do domínio do Império Romano, porque a parte que governavam foi apenas aquela onde a civilização do mundo estava então realizando os seus notáveis progressos. Pela limitação da visão que possuíam, os habitantes dos territórios sob domínio romano, achavam que o seu império, de fato, era universal. Além disso, o mundo romano incluía todas as terras que, mais cedo ou mais tarde, seriam alcançadas pelo Cristianismo durante os três primeiros séculos da era Cristã. Para melhor compreender o papel desempenhado pelos romanos, como fator determinante de grande parte do sucesso do Cristianismo primitivo, devemos analisar as três questões seguintes:
 

1. Extensão do Império Romano. Pelos idos do ano 50 d.C., o Império Romano abrangia da Europa ao sul dos rios Reno e Danúbio, a maior parte da Inglaterra, o Egito e toda a costa norte da África, como também grande parte da Ásia, desde o Mediterrâneo à Mesopotâmia. Vale ressaltar que não era somente pela força que os romanos dominavam todas essas regiões; eles as governavam com moderação e grande inteligência, pois onde quer que fizessem chegar o seu domínio, levavam uma civilização bem mais elevada do que a existente antes da sua chegada. O poder desse Império foi mais efetivo e sua administração mais eficiente nas proximidades do Mar Mediterrâneo, onde ficava a Palestina, ou Judéia, lugar que viria servir de berço para o Cristianismo.
 

2. A Unificação dos Povos. Esse Império, que incluía grande parte do gênero humano, foi uma lição objetiva que provava ser a humanidade uma só, não importando os mares, rios ou montanhas dividindo-a em continentes e em nações. 0 Império Romano serviu para unificar os homens sob uma mesma bandeira e sob um mesmo governo. Além disso as guerras foram abolidas, contribuindo assim para a disseminação da mensagem do Evangelho.
 

3. Intercâmbio Entre os Povos. Pela sua administração sábia, forte e vigilante, as autoridades romanas tornaram mais fáceis e seguras as viagens e comunicações entre as diferentes partes do mundo, na época sob o domínio do império. Os piratas foram varridos dos mares e os marginais das cidades e estradas. Suas bem construídas e conservadas estradas contribuíram sensivelmente para a expansão do progresso e para que o Cristianismo alcançasse as regiões mais remotas.
 

Os Gregos:
 

Ao surgir o Cristianismo, os povos que habitavam às regiões do Mar Mediterrâneo tinham sido profundamente influenciados pelo espírito do povo grego. Colônias gregas, algumas com centenas de anos, foram sendo edificadas ao longo das costas do Mediterrâneo. Com seu comércio, os gregos atingiram os lugares mais distantes. Espalhando assim, sua influência, acentuadamente nos mais importantes países e principais cidades do mundo de então. Tão marcante foi a influência desse povo, que os historiadores, os chamam de greco-romano este mundo antigo. É que Roma governava politicamente, enquanto a mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos. Os gregos exerceram tríplice influência sobre o mundo de então: através dos seus filósofos, do brilhantismo do seu pensamento, e da universalização da sua língua.
 

1. A Influência dos Filósofos Gregos. Muitos séculos antes da Era Cristã os gregos já possuíam vida intelectual mais vigorosa e desenvolvida do que qualquer outro povo do mundo antigo. Problemas sobre os quais os demais homens pouco cogitavam, como por exemplo: a origem e significado do mundo, a existência de Deus e do homem, o bem e o mal, enfim, tudo quanto se relacionava com as pesquisas da filosofia, tinham um especial fascínio para os gregos, e foi objeto de meditação dos seus filósofos. Não há dúvida de que isto abria a porta da pesquisa e da discussão de muitos valores do Cristianismo. Por exemplo, Lucas escreve que "todos os de Atenas, e os estrangeiros residentes, de outra coisa não cuidavam senão dizer ou ouvir as últimas novidades" (At 17.21). Era um povo educado para as descobertas e de braços abertos para receber coisas novas: novas revelações, novos conceitos, nas mais diferentes áreas da vida.
 

2. Os Gregos Levaram o Povo a Pensar. A influência do povo grego se estendeu por toda a parte do mundo antigo, aprofundando o pensamento dos homens nas ideias e pesquisas relacionadas com as grandes perguntas da vida. Esse tipo de curiosidade intelectual e essa prontidão de raciocínio prevaleciam nos principais centros greco-romanos, lugares esses mais tarde alcançados pelos bandeirantes do Cristianismo. Assim os povos desses lugares estavam mais dispostos a receber a nova religião do que estariam se não fosse a influência grega. Por exemplo: bastou que Paulo chegasse a Atenas, pregando o Evangelho, para que esta notícia, sem demora chegasse ao conhecimento dos intelectuais da cidade (At 17.18-20). Esse interesse, por novidades e essa acurada busca do desconhecido fez da mensagem Cristã centro de atenção dos gregos.
 

3. 0 Grego Como Língua Universal. Os gregos deram outra inestimável contribuição ao preparo do mundo para o advento do Cristianismo, disseminando a língua em que o Evangelho seria pregado ao gênero humano pela primeira vez. Já nos dias de Jesus a língua mais falada nos países que ficavam ao longo da margem do Mar Mediterrâneo, região onde ficava a Palestina, era o dialeto grego conhecido por Koiné ou dialeto "comum". Qualquer pessoa que falasse esse dialeto da língua grega era entendida em toda a vastidão do império.
 

III - OS JUDEUS
 

Os judeus constituíram o povo ao qual Deus indicou para mordomos da verdadeira religião e Revelação Divina. A missão a eles dada foi a de receberem de Deus uma revelação especial a respeito do próprio Deus e da sua soberana vontade. Assenhoreando-se dos ensinos de Jeová, à medida que iam recebendo uma nova revelação progressiva, preservaram tais ensinos na sua pureza e integridade, de modo que, cumprindo-se a "plenitude dos tempos", eles, os judeus, se constituíram uma bênção singular para todos os povos.
 

0 Berço do Cristianismo:
 

A história distingue os judeus como aqueles que prepararam o berço do Cristianismo. Como tal, fizeram os preparativos para o seu nascimento e o alimentaram na sua infância. Prepararam antecipadamente a vida religiosa em que foram instruídos Jesus e os primeiros discípulos, inclusive os apóstolos e os primeiros missionários da fé Cristã.  Em qualquer lugar do mundo, aonde o Cristianismo chegasse, ele se impunha pela vida pura e viril de seus adeptos. Essa vida tão pura e forte como a existente entre os melhores representantes da religião judaica, possuía duas características essenciais:
 

1) Evidenciava a mais alta concepção de Deus conhecida entre os homens, como resultado do que o Antigo Testamento ensinava;
2) Realçava o mais alto ideal de vida moral que se conhecia resultante dessa sublime concepção de Deus. Humanamente falando nos é impossível ver como a vida e os ensinos de Jesus pudessem ter emanados da vida religiosa de qualquer outro povo a não ser os judeus.
 

A Esperança Judaica:
 

Em segundo lugar, os judeus prepararam o caminho para o Cristianismo porque se constituíram uma raça que aguardava o que o Cristianismo oferecia: um Salvador Divino. A esperança do advento de um Messias era alimentada pelos judeus como a maior de todas as esperanças. Apesar do fato de que muitos alimentavam tal esperança como uma concepção grosseira e materialista, em todas as concepções havia um elemento essencial: a ardente expectação dum enviado de Deus para redimir o Seu povo. A esperança Messiânica distingue os judeus dos demais povos da terra. 0 que havia no mundo greco-romano eram uma forte dose de desespero, cansaço e de desilusão. Desse modo o Cristianismo encontrou todos os primeiros seguidores entre os judeus, e o elemento que os habilitou a receberem a nova religião foi a esperança de um Salvador Divino.
 

A Herança do Antigo Testamento:

O Cristianismo tem no Antigo Testamento, Escritura Sagrada do povo judeu, um singular legado. Assim, a nova religião foi suprida, no seu nascimento, por uma literatura religiosa que ultrapassou, infinitamente, qualquer outra desse gênero então existente, o que confirmou os ensinos Cristãos, prenunciando Cristo pelas profecias. Antes de escrever seus próprios livros, o Cristianismo encontrou inspiração no Antigo Testamento. Jesus mesmo fez constante uso dessa parte das Escrituras, e, consoante Seu exemplo, as Escrituras judaicas eram lidas regularmente nas reuniões de cultos dos primeiros Cristãos. O Antigo Testamento era conhecido de grande número de gentios que foram atraídos para a religião judaica, como a mais pura que podia encontrar, e, assim, esta religião se tornou um dos meios pelo qual muitos desses mesmos homens vieram a conhecer a Salvação oferecida na Pessoa de Jesus Cristo.

 
 
A Influência dos Judeus na Dispersão
 

Não podemos esquecer a importância da contribuição dada pelos elementos judaicos da dispersão à preparação do Cristianismo como religião universal. Trata-se dos judeus que foram espalhados em virtude do cativeiro que sofreram. Esses judeus podiam ser encontrados em quase todas as cidades do mundo greco-romano. Em qualquer lugar, onde fossem e fixassem residência, conservavam a sua religião e erigiam sinagogas. Em muitos lugares realizavam um trabalho missionário ativo. Foi assim que ganharam entre os gentios, numerosos prosélitos e tornaram conhecidos os ensinamentos da sua religião e muitos outros que, embora só em parte, os aceitaram. Esse tipo de missão judaica pode ser apontada como precursora das missões Cristãs, porque tornou conhecido entre os gentios certos elementos religiosos comuns ao Cristianismo e ao Judaísmo:

1) a crença monoteísta = a crença em um só Deus;
2) uma lei moral elevada que, tanto o Judaísmo como o Cristianismo ensinavam ser parte integral da religião;
3) a esperança do Salvador. Nisto ambas as religiões se distinguiam das religiões pagãs que nada de útil ensinavam sobre a conduta humana e a revelação de um Deus real e pessoal.
 

IV - AS CONDIÇÕES RELIGIOSAS E INTELECTUAIS
 

Quando do advento do Cristianismo, a velha religião dos deuses e das deusas da Grécia e de Roma, conhecida através da história da mitologia clássica, já havia perdido muito da sua vitalidade. Não obstante as formas do seu culto fossem ainda observadas, os homens cultos geralmente não mostravam crença nessas religiões; de fato, ela já não exercia influência nem mesmo entre os mais comuns dentre o povo. Por essa razão o imperador Augusto, que reinava ao tempo em que Cristo nasceu, muito se preocupou com esse declínio da velha e tradicional religião e esforçou-se grandemente com o propósito de revivê-la. Todo o seu esforço foi quase que completamente inútil.
 

Religião Romana do Estado
 

Como resultado dos esforços de Augusto, foi estabelecida a religião do Estado, que na sua mais refinada forma veio a constituir-se em veneração de imagens e estátuas dos imperadores que então reinavam e dos que os antecederam, como símbolos do poder de Roma. 0 estado imperial foi supervalorizado e endeusado como os modernos regimes totalitários, por exemplo. Desse modo, certos cultos primitivos e a adoração de divindades associadas a certas localidades, ocupações profissionais, aspectos da vida, etc., tomaram vitalidade considerável.

 
Os antigos mistérios relacionados com as religiões gregas exerciam grande atração nas massas. Esses mistérios consistiam de cerimônias secretas e dramáticas que destacavam certas ideias concernentes à perpetuação da vida. 0 Orfismo, antigo movimento grego de religião mística que ensinava doutrinas de salvação e vida após a morte, era representado por muitos seguidores. Mais poderosas e influentes, porém, eram as religiões orientais que se estenderam pelas margens do Mediterrâneo. Da Frigia, veio o culto à mãe dos deuses e o culto de Áttis. Do Egito, veio o culto de Isis, Serápis e Osíris. Essas religiões exerciam grande influência no mundo nos primeiros anos do Cristianismo. Mais tarde, a mais popular das religiões orientais, a da deusa Mitras, veio do leste da Ásia Menor. Mitras tornou-se a padroeira do exército romano, e o seu nome era conhecido onde quer que esse exército chegasse.

 
Apesar da religiosidade dessa época, havia muito interesse no conhecimento das várias formas de religião e muita ansiedade por ideias e crenças que trouxessem mais satisfação à alma. Por essa razão o Cristianismo se tornou objeto de estudo para muitos e de aceitação para não-poucos.
 
 

As Condições Intelectuais da Época:
 

O movimento filosófico grego chegou a seu fim no que se relaciona com a pesquisa da verdade, bem antes do Cristianismo surgir. Quando este surgiu, apenas duas escolas filosóficas, o Epicurismo e o Estoicismo, ainda gozavam algum prestígio. Apesar disto nenhuma delas satisfazia a curiosidade e o anseio do homem que buscava algo mais profundo e mais marcante no que concerne ao pecado e à vida futura, que dalgum modo os preocupava. Ambas as filosofias eram falhas como método de vida.
 

1. O Epicurismo. Os epicureus tinham como seus principais filósofos, Epícuro, (300 a.C.), Teodoro e Hegesias. Eram deístas, isto é: criam e ensinavam que um deus qualquer, ou mesmo vários deuses, talvez existam; mas essas divindades não têm por fito manter qualquer associação com o nosso mundo, não estando interessados em punir ou galardoar os homens, e nem procurando determinar qualquer processo histórico ou individual, mediante sua intervenção. Apesar de ensinar uma conduta pessoal discreta, o Epicurismo ignorava a existência da alma e da vida após-túmulo. Ensinava também que tudo quanto podemos saber e possuir se limita à vida terrena.
 

2. 0 Estoicismo. Acredita-se que o fundador dessa escola filosófica tenha sido Zenão (cerca de 300 a.C.). Ensinava que todas as coisas são emanações de Deus, e que por isto nada é mal. Pelo contrário, aquilo a que chamamos de mal na realidade é necessariamente bom. Segundo esse ensino não seria de maior consequência a morte de uma esposa ou filho do que se partisse um vaso de barro.

Apesar da complexidade dessas filosofias, entre os homens de raciocínio profundo havia um forte sentimento de insatisfação e um desejo ardente de encontrar solução para os problemas cruciais da vida. Exemplo disto temos nas palavras de Plínio, o Moço, quando acerca da morte da sua filha, escrevia a um amigo: "Dá-me algum alívio, algum conforto que seja grande e forte, tal qual eu nunca tenha ouvido ou lido. Porque tudo o que tem chegado ao meu conhecimento e de que posso me lembrar não me ajuda, pois minha tristeza, é por demais profunda para ser removida pelo que sei."

 
Como resultado do vazio deixado pela insignificância maior dos ensinos filosóficos, o nível moral do povo era baixo. Em consequência de tudo isso havia um sentimento de cansaço entre os homens e especialmente entre os melhores e mais inteligentes. Foi aos povos de uma época entenebrecida, sem esperança e muito corrompida, que os primeiros missionários Cristãos trouxeram as boas-novas da salvação na Pessoa de Jesus Cristo.
 

V - O FUNDADOR DA IGREJA
 

O apóstolo Paulo nos informa que "vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos", (Gl 4.4-5). De fato, como já mostramos nos Textos anteriores, o Cristianismo foi favorecido pela região e pelo tempo que surgiu. Originou-se no mundo mediterrâneo, o maior e mais importante centro de civilização de então. Herdeiro que era da longa história judaica, e tendo o seu início nos anos de maior vigor do Império Romano, o Cristianismo gozava de todos os benefícios que o império oferecia aos seus cidadãos.
 

VI - É PEDRO O FUNDAMENTO DA IGREJA?
 

A Igreja Católica Romana considera o apóstolo Pedro como a pedra fundamental sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja. Para fundamentar esse ensino, apela, principalmente, para a passagem de Mateus 16.16-19: "E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque tu não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do Reino dos Céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus". Dessa passagem, a Igreja Romana deriva o seguinte raciocínio:

a. Pedro é a rocha sobre a qual a Igreja está edificada.
b. A Pedro foi dado o poder das chaves, portanto, só ele detém o poder de abrir a porta do Reino dos Céus.  
c. Pedro tornou-se o primeiro bispo de Roma.
d. Toda autoridade foi conferida a Pedro até nossos dias, através da linhagem de bispos e papas, todos vigários de Cristo na Terra.
 

Uma Interpretação Absurda:
 

Partindo deste raciocínio, o padre Miguel Maria Giambelli põe o versículo 19 de Mateus 16 nos lábios de Jesus, da seguinte maneira: "Nesta minha Igreja, que é o Reino dos Céus aqui na terra, eu te darei também a plenitude dos poderes executivos, legislativos e judiciários, de tal maneira que qualquer coisa que tu decretares, eu a ratificarei lá no Céu, porque tu agirás em meu nome e com a minha autoridade" (A Igreja Católica e os Protestantes, pg. 68). Numa simples comparação entre a teologia vaticana e a Bíblia, a respeito do apóstolo Pedro e sua atuação no seio da igreja nascente, descobre-se quão absurda é a interpretação romanista a respeito da pessoa e ministério desse apóstolo do Senhor. Mesmo numa despretensiosa análise do assunto, conclui-se que:

1) Pedro jamais assumiu no seio do Cristianismo nascente a posição e as funções que a teologia católico-romana procura atribuir-lhe. O substantivo feminino “petra” designa do grego uma rocha grande e firme. Já o substantivo masculino “petros” é aplicado geralmente a pequenos blocos rochosos, móveis, bem como a pedras pequenas, tais como a pedra de arremesso. Pedro é petros = bloco rochoso e móvel e não petra = rocha grande e firme. Portanto, uma igreja sobre a qual as portas do inferno não prevaleceriam não poderia repousar sobre Pedro.

2) De acordo com a Bíblia, Cristo é a Pedra. "Estavas vendo isso, quando uma pedra foi cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou" (Dn 2.34). "Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina" (Ef 2.20). Nestes versículos, "pedra" se refere a Cristo e não a Pedro. Diz o apóstolo Pedro: "Este Jesus é a pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou a pedra angular" (At 4.11; Mc 12.10-11; Rm 2.20; 9.33; 1 Co 10.4 e 1 Pe 2.4.).
 

O Testemunho dos Pais da Igreja:
 

Dos oitenta e quatro Pais da Igreja antiga, só dezesseis creem que o Senhor se referia a Pedro quando disse "esta pedra". Dos outros Pais da Igreja, uns dizem que esta expressão se refere à Pessoa de Cristo mesmo, outros, à confissão que Pedro acabara de fazer, e outros, ainda, a todos os apóstolos. Portanto, se apelarmos para os Pais da Igreja dos primeiros quatro séculos, as pretensões da Igreja Romana com referência a Pedro, redundam em sofismas. Só a partir do século IV começou-se a falar a respeito da possibilidade de Pedro ser a pedra fundamental da Igreja, e isto estava intimamente relacionado com a pretensão exclusivista do bispo de Roma. À luz das palavras do próprio apóstolo Pedro, Cristo é a petra (= rocha grande e firme): "Chegando-vos para ele, a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa" (1Pe 2.4). Todos os crentes são petros = blocos rochosos e moveis, "...vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por intermédio de Jesus Cristo" (1Pe 2.5).
 

O Alegado Primado de Pedro:
 

Da interpretação doutrinária que a Igreja Católica Romana faz de Mateus 16.16-19, deriva outro grande erro: o ensino de que Jesus fez de Pedro o "Príncipe dos Apóstolos", pelo que veio a se tornar o primeiro bispo de Roma, do qual os papas, no decorrer dos séculos, são legítimos sucessores. Esteve Pedro em Roma alguma vez? Há uma opinião sobre uma remota possibilidade de que Pedro tenha estado em Roma. Oscar Cullman, teólogo alemão, escreve: "A primeira carta de Pedro... alude em sua saudação final (5.13) à estada de Pedro em Roma, ao falar de 'Babilônia' como lugar da comunidade que envia saudações, pois que a opinião mais provável é que 'Babilônia' designa Roma".

Também Lietzmann, em sua obra Petrus and Paulus in Rome (Pedro e Paulo em Roma), assim se expressa sobre o assunto: "Mais importante, porém, é a debatida afirmação de que Pedro, no decurso de sua atividade missionária, tenha chegado a Roma e aí morrido como mártir. Visto que esta questão está intimamente relacionada com a pretensão romana ao primado, frequentemente a polêmica confessional influi na discussão. A resposta a ela só pode ser fruto de pesquisa histórica desinteressada. Como, porém, ao lado das fontes neotestamentárias, veem, em consideração, principalmente testemunhos extra e pós-canônicos da literatura Cristã antiga, e, além disto, documentos litúrgicos posteriores, e ainda escavações recentes, esta questão não pode ser aqui discutida em todos os seus pormenores. Queremos apenas lembrar que, até a segunda metade do século II, nenhum documento afirmava expressamente a estada e martírio de Pedro em Roma".
 

Pedro, um Papa Diferente:
 

Tenha ou não estado em Roma, o fato é que, se Pedro foi papa, foi um papa diferente dos demais que apareceram até agora. Senão, vejamos:

a. Pedro era financeiramente pobre (At 3.6).
b. Pedro era casado (Mt 8.14,15).
c. Pedro foi um homem humilde, pelo que não aceitou ser adorado pelo centurião Cornélio (At 10.25-26).
d. Pedro foi um homem repreensível (Gl 2.11-14).

 
 
É de estranhar que Tiago — e não Pedro, o "Príncipe dos Apóstolos", como ensina a teologia vaticana, fosse o pastor da comunidade Cristã em Jerusalém (At 15). Se Pedro tivesse sido papa, certamente não teria aceito a orientação dos líderes da Igreja quanto à obra missionária (At 15.7). Se Pedro tivesse sido papa, a ordem das "colunas", conforme Paulo escreve em Gálatas 2.9, seria: "Cefas, Tiago e João", e não "Tiago, Cefas e João".
 
 

O Papa, um Pedro Diferente:
 

A própria história do papado é uma viva demonstração de que os papas jamais conseguiram provar serem sucessores do apóstolo Pedro, já que em nada se assemelham àquele inflamado, mas humilde, servo do Senhor Jesus Cristo. Vejamos, por exemplo:  

a. Os papas são administradores de grandes fortunas da igreja. O clérigo José Maria Alegria, da Universidade Gregoriana de Roma, declarou, no final do ano de 1972, que o balanço financeiro do Vaticano dispunha de um ativo de um bilhão de dólares.
b. Os papas são celibatários, isto é, não se casam, não obstante ensinarem que o casamento é um sacramento.
c. Os papas frequentemente aceitam a adoração dos homens.
d. Os papas consideram-se infalíveis nas suas decisões
e. decretos.
 
 

0 Primeiro Período de Expansão do Cristianismo:
 

0 primeiro período de expansão do Cristianismo coincidiu com a transformação política, social e religiosa do mundo que ficava às margens do Mar Mediterrâneo. Libertos das antigas ancoragens, os homens buscavam segurança em meio a uma agitação religiosa que despertava nos seus espíritos. Com o transcorrer dos séculos e a decadência das antigas civilizações, e mesmo do Império Romano, os homens que se esforçaram por alcançar salvação por diferentes meios, somente puderam achá-la em Cristo. Nunca antes, na história humana, as condições se mostraram tão favoráveis ao surgimento dum movimento de libertação espiritual para a humanidade. Foi assim que Cristo apareceu na "plenitude do tempo" estabelecendo a si mesmo a Pedra de Fundamento da Igreja.
 
 

0 Ministério de Jesus:
 

No princípio do seu ministério, Jesus associou-se a João Batista, seu primo legítimo, pelo qual foi batizado no Jordão. Daí Jesus começou a pregar a necessidade do arrependimento por parte dos seus ouvintes, face à iminente manifestação do reino de Deus. Dizia Ele que viera buscar os perdidos e achar os desgarrados do aprisco do Pai. Aceitando a origem Divina e a veracidade dos ensinos do Antigo Testamento, Ele edificou sobre o fundamento dos profetas. Ainda que não condenasse abertamente a lei cerimonial, proclamou com veemência os princípios que haveriam de anulá-la. Durante o seu ministério, viveu vida irrepreensível, chamando os homens ao arrependimento, inculcando neles a fé em Deus e Nele mesmo, e sempre colocando o homem em posição de dignidade pela relação que o propósito Divino tem para com este. Ensinava como quem tem autoridade, enquanto denunciava a hipocrisia dos fariseus, a parcialidade das autoridades, enquanto tinha compaixão dos desprezados e sofredores. Não temeu apresentar a si mesmo como o Filho de Deus, o Filho do Homem, o Messias, enfim, Aquele, através de quem todas as Profecias Messiânicas se cumpririam. Pe­la sua vocação e ministério proféticos, predisse a sua morte, ressurreição, ascensão e vitória quando da sua segunda vinda em glória com o propósito de julgar os vivos e os mortos. Enfim, Jesus veio para estabelecer o reino de Deus nos corações dos homens.

 
Face à veemência com que denunciava a hipocrisia e o pecado, sofreu acirrada perseguição que resultou na sua prisão, julgamento e morte de cruz. Mas, ao terceiro dia após sepultado, seu túmulo que havia sido selado pelas autoridades e guardado por sentinelas romanas, estava vazio. Durante os quarenta dias seguintes à Sua ressurreição, andou com os Seus discípulos, comeu com eles e lhes deu promessas e mandamentos. Finalmente viram-no subir da terra e desaparecer entre as nuvens do céu; porém, com os seus discípulos deixou uma dupla promessa: a) que Ele voltaria outra vez; b) que o Espírito Santo seria enviado para encher as suas vidas e para capacitá-los a testemunhar da morte e ressurreição do Messias.
 
 

Resultados da Influência de Cristo:
 

A vida e trabalho de Jesus Cristo, não devem ser apreciados somente pelo número dos que 0 seguiram; devem ser apreciados principalmente pela influência que eles exerceram sobre gerações futuras.  "Jesus, só teve três anos para o cumprimento da Sua missão. Se atentarmos para a rapidez com que decorrem três anos de vida de qualquer pessoa, e do pouco que geralmente produzem, poderemos avaliar a capacidade e natureza daquele caráter, e a unidade e intensidade de propósito daquela vida que em tão curto espaço de tempo deixou no mundo tão profunda e indelével impressão e deixou a todas as gerações vindouras tão grande legado de verdades e influência. É geralmente admitido que Jesus apareceu como homem público, em cuja mente as ideias se achavam inteiramente desenvolvidas e coordenadas; em cujo caráter havia uma perfeita determinação, em cujos desígnios não havia a menor sombra de incerteza. A razão disto deve estar em que durante os trinta anos que antecederam a sua apresentação em público, as suas ideias, caráter e desígnios passaram por todos os períodos de um desenvolvimento cabal. Para quem tinha todo o poder à sua disposição, trinta anos de afastamento e reserva representam um longo período. Não houve nele depois, de mais sublime e majestade, do que aquele retraimento, tanto no falar como no agir, que o caracterizava." - Dr. James Stalker.
 

VII - A EXPANSÃO DA IGREJA
 

Com pequenas exceções, Jesus limitou o seu ministério terreno aos judeus na Palestina. Grande parte dos últimos meses da sua vida foi dedicada ao preparo de um pequeno grupo de homens que haveria de continuar a obra por Ele começada. Sua última ordem foi que eles ficassem na cidade de Jerusalém até que do alto fossem revestidos da plenitude do Espírito Santo, o que os capacitaria para testemunharem da morte e ressurreição de Cristo. O programa do Senhor ressuscitado, conforme Atos 1.8, era que homens fortalecidos pelo Espírito Santo, deveriam partir de Jerusalém e fazer a conquista do mundo ao longe por uma campanha de testemunho. Seguindo esse plano, os apóstolos iniciaram-na onde se achavam, mas com os olhos sempre fitos no mundo.
 

Começando em Jerusalém:
 

Efetivamente, o testemunho dos discípulos, fortalecido pelo Espírito Santo, gradualmente ganhou terreno até se estabelecer em Jerusalém. Desse centro começou a irradiar-se primeiro entre os samaritanos, e só depois aos estrangeiros simpatizantes do culto de Jeová dentro do país. De Jerusalém partiram para Antioquia, constituída como o novo centro de propaganda da fé Cristã, donde o testemunho foi levado aos habitantes da Ásia Menor e grande parte da Europa.

 
Esses três passos foram dados apesar da oposição e às vezes da violência dos judeus mais conservadores. Houve dias perigosos através dos quais o novo movimento teve de passar, mas as fogueiras da perseguição apenas espalharam faíscas e chamas; espalhando novos centros de influência Cristã por toda a vastidão do Império Romano.

 
Indo Mais Além:
 

Tão severa foi a perseguição que dispersou os membros da Igreja em Jerusalém, exceto os apóstolos. Os dispersos pela região da Judéia e Samaria, iam por toda parte testemunhando de Cristo. A Filipe, um dos sete diáconos da igreja em Jerusalém, coube a ação pioneira de evangelizar os samaritanos. Pouco depois, Pedro, que havia por fim, saído a campo, a convite do centurião Cornélio, foi a Cesareia, onde anunciou Jesus a uma assistência totalmente gentílica. Vencidos estavam os primeiros obstáculos e fora dado o primeiro passo na libertação do Cristianismo dos moldes judaicos. A Igreja em Jerusalém, ainda que, não convencida completamente, submeteu-se, mas nada fez para levar o evangelho aos gentios dentro e fora do país.
 

Paulo Entra em Cena:
 

0 crescimento da Igreja em Antioquia, capital da Síria, tornou-se notório chegando ao conhecimento dos líderes da igreja em Jerusalém. Para ver o que de fato acontecia em Antioquia, a igreja em Jerusalém enviou Barnabé, "tendo ele chegado e, vendo a graça de Deus, alegrou-se e exortava a todos a que, com firmeza de coração, permanecessem no Senhor" (At11.23). Provavelmente, sem voltar a Jerusalém, Barnabé continuou em Antioquia e dentro em pouco ele tinha mais trabalho a fazer do que de fato era capaz. Assim partiu para Tarso em busca de Saulo, e tendo-o achado, levou-o a Antioquia, onde durante um ano inteiro se reuniram com a Igreja, e instruíram muita gente. Foi em Antioquia o lugar onde os discípulos pela primeira vez foram chamados "Cristãos".

 
Até esse tempo parece que a propagação do Cristianismo ainda não havia sido planejada pelos discípulos, antes lhes tinha sido imposta pela liderança da providência. Mas a hora tinha chegado para um esforço mais agressivo e mais abrangente.
 

Paulo e Barnabé Enviados Missionários:
 

Por orientação do Espírito Santo, a igreja de Antioquia separou e enviou Paulo e Barnabé para a obra missionária. Em obediência à chamada Divina, partiram na sua primeira viagem missionária que os levou através da ilha de Chipre e a certas cidades importantes da Ásia Menor. Ao longo dessa viagem, Igrejas eram formadas e obreiros estabelecidos para cuidar delas.

 
Paulo fez mais duas longas viagens missionárias através da Ásia Menor e sudoeste da Europa, atravessando a Macedônia e a Grécia, e talvez, chegando até às costas do mar Adriático. De volta da sua terceira viagem missionária, Paulo foi preso em Jerusalém, daí levado a Cesareia onde ficou por dois anos e posteriormente foi conduzido preso para Roma. Em Roma foi conservado preso pelo menos por dois anos, desfrutando, porém, de liberdade para pregar e escrever. Depois disso, parece ter sido libertado e em seguida numa viagem ao Leste, foi preso outra vez, e finalmente martirizado em Roma.

 
Com exceção das de Pedro, pouco se sabe claramente das atividades dos outros apóstolos. A tradição posterior à era dos apóstolos atribui grandes atividades missionárias a cada um, e pode haver alguma base para essas conjecturas, mas nada de positivo se sabe. O certo é, que no fim do primeiro Século, a Igreja se havia firmado nos grandes centros do Império Romano e feito progresso em regiões mais remotas. Em alguns lugares os Cristãos constituíam elemento de influência na sociedade.

 
VIII - A VIDA DA IGREJA
 

A Igreja do primeiro século comumente se compunha de pequenos grupos de crentes, espalhados por diferentes pontos do vasto Império Romano. Estes grupos se compunham de pessoas pertencentes às mais diferentes classes sociais, que iam desde o mais simples escravo até ao mais nobre e rico dos homens.
 

O Governo da Igreja:
 

As Igrejas primitivas eram autônomas, com governo próprio, que decidia os seus negócios e resolvia seus problemas. Os Cristãos, insistentemente, afirmavam que pertenciam à única Igreja Universal, pois todos eram UM em Cristo, porém, nenhuma organização, como convenção, por exemplo, exercia controle sobre as demais congregações espalhadas por toda parte.

Os primeiros apóstolos eram amados e respeitados como líderes espirituais, pela vida santa que manifestavam, e, de modo especial, em virtude do contacto e vivência que tiveram com Cristo. Por essa razão exerciam relativa autoridade sobre a Igreja, principalmente no que tange à doutrina, como se verifica na decisão tomada quanto aos Cristãos gentios e a lei judaica, no Concilio de Jerusalém, registrado no capítulo 15 do livro de Atos dos Apóstolos. Paulo exercia autoridade sobre as igrejas da sua época em virtude da sua posição de apóstolo e do seu trabalho de fundação e cuidado extraordinário em favor dessas mesmas Igrejas.

 
Além dos apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (Ef 4.11), o Novo Testamento trata ainda de outra natureza de ministério comum à Igreja primitiva. Diz respeito aos negócios humanitários e filantrópicos das congregações. Este era exercido pelos diáconos - homens de excelentes qualidades espirituais e morais. Eles dedicavam-se ao serviço de atendimento aos necessitados fisicamente, enquanto os demais membros do ministério se davam aos encargos da pregação e do ensino.
 

A Comunhão da Igreja:
 

Um ponto marcante na vida da Igreja primitiva, ponto que distinguia os Cristãos dos pagãos, era a comunhão que os unia. Desse modo eles estavam presos uns aos outros pela mesma fé e pelo mesmo amor; enfim, eram unidos em todos os aspectos da vida Cristã. Eles se tratavam como "irmãos" e "irmãs" na fé em Cristo. Olhavam com especial cuidado os órfãos, as viúvas, os anciãos desamparados e os enfermos.

 
Não havia diferenças sociais marcantes dentro dessas Igrejas. Escravos e senhores eram igualados diante de Cristo. As mu­lheres, antes marginalizadas pela sociedade pagã a que pertenciam, alcançaram posição de honra e de influência. Dentre tantas mulheres notáveis desse período da história da Igreja, podemos destacar Dorcas, da cidade de Jope. Era uma serva do Senhor, que empregou todo o seu tempo trabalhando em benefício dos necessitados, notadamente as viúvas e os órfãos. Podemos ainda nos lembrar de Febe, fiel cooperadora da igreja em Cencréia. Ela sempre esteve na vanguarda do serviço do Mestre (Rm 16.1-2).
 

0 Prazer da Igreja:
 

Os Cristãos primitivos tinham prazer no amor de Deus o Pai; na comunhão do Cristo ressurreto; no perdão total dos pecados; e na certeza da vida eterna. Desconheciam, pois, as tristezas e horrores duma vida morna, vazia e sem sentido, bem como o desespero que oprimia a muitos que os cercavam. Essas qualidades espirituais e morais dos Cristãos primitivos, ornavam e embelezavam o Evangelho, constituindo-se numa poderosa recomendação para o Cristianismo, promovendo o seu desenvolvimento.
 

A Crença da Igreja:
 

A Igreja primitiva não adotou declarações formais de fé. O chamado "Credo dos Apóstolos" apareceu somente no II Século. Por isto, para conhecermos o que criam os primitivos Cristãos, precisamos recorrer ao texto do Novo Testamento. Fazendo isto é que sabemos que eles:  

1) Criam em Deus Pai, em Jesus Cristo o Filho, e no Espírito Santo. Isto é, eles tinham consciência da presença da Trindade Divina a inspirá-los na adoração e no serviço Cristão.
2) Criam que os pecados, uma vez confessados e abandonados, eram completamente perdoados.
3) Do ensino de Jesus, que pregava o amor a todos os homens, faziam a base do seu viver moral diário.
4) Aguardavam a volta de Jesus para executar o julgamento final sobre os ímpios e conduzir ao céu todos os que O seguissem.
5) Criam na ressurreição dos mortos e na intercessão de Cristo em favor do crente em suas fraquezas.
6) Todos os seus pensamentos sobre a vida espiritual tinham como centro a pessoa de Jesus Cristo.
 
 

IX - A IGREJA PERSEGUIDA
 
 

Nunca faremos uma justa apreciação das conquistas da Igreja ao longo dos séculos se esquecermo-nos que elas foram alcançadas em meio a mais feroz perseguição. A partir de Nero (54-68 d.C.), o governo romano hostilizou tremendamente o Cristianismo. É que apesar do governo permitir a livre prática de diferentes religiões, o Cristianismo não era considerado uma religião, já que os Cristãos devotavam suprema lealdade a Jesus Cristo, e só secundariamente às autoridades. Isto era mau aos olhos dos imperadores que impunham o Estado imperial como poder supremo e tinham a religião como uma forma de patriotismo.

 
 
Os deuses reconhecidos pelo Estado imperial eram cultuados com o objetivo de beneficiarem o governo e a nação. Assim, qualquer adepto de outra religião deveria prestar reverência aos deuses nacionais ao mesmo tempo em que observava o seu próprio culto. Mas, neste particular, o Cristianismo era exclusivista; isto é: era a religião de um só Deus, e submisso a um só Senhor. Por isso mesmo não prestava culto a outra divindade que não fosse o Senhor Jesus Cristo. Além disso os Cristãos declaravam a inutilidade dos deuses adorados pelo povo do Império e pelos próprios imperadores. De modo algum adoravam aos deuses romanos, apesar das ordens do Estado. Jamais colocariam César em igual posição, ou acima de Cristo. Diante disso podemos entender por que aos olhos do governo romano o Cristianismo abraçava um ensino desleal e perigoso para o Estado e para a sociedade. Por isso os Cristãos foram acusados de anarquistas, sacrílegos, ateus e traidores.

 
 
As autoridades usavam de todos os meios para pôr à prova a lealdade dos Cristãos, os quais eram trazidos a juízo e obrigados a participar das cerimônias da religião do Estado, da adoração das estátuas de Roma e dos imperadores. Quando os Cristãos se recusavam a prestar esse culto, as autoridades os consideravam traidores. Era bastante alguém confessar: "sou Cristão", para tal testemunho constituir desobediência ao Estado. Diante desse quadro desastroso, mais tarde confessou Tertuliano que os Cristãos foram perseguidos pelo Império não por adorarem a Cristo, mas por adorarem só a Cristo.

 
X - A EXTENSÃO DA IGREJA
 

Entre o ano 100 d.C. e o reinado de Constantino, o Cristianismo alcançou considerável progresso. É certo que nem tudo nos tem sido dado conhecer a respeito do assunto, principalmente por ter sido esse o período em que a Igreja sofreu grande perseguição. Além do mais, boa parte da expansão do Cristianismo durante esse período teve lugar, não só através da obra de missionários dedicados exclusivamente à tarefa da evangelização, como também através de testemunhos de comerciantes, soldados e escravos que por uma ou outra razão viajavam pelas mais diferentes regiões do Império.

 
O Cristianismo se Impõe:
 

O Cristianismo chegava a cada província de maneira humilde e obscura, mas logo crescia, tornava-se forte, e acabava por se impor como um organismo vivo em todos os segmentos da vastidão do Império. Em 313 o Cristianismo já era religião dominante na Ásia, região muito importante do mundo de então, como também na Trácia e na longínqua Armênia.

A Igreja se constituíra numa influência civilizadora muito poderosa em Antioquia, na Síria, nas costas da Grécia e Macedônia, nas ilhas gregas, no norte do Egito, na província da África, na Itália, no sul da Gália e na Espanha. Era menos forte em outras partes do Império, inclusive a Britânia. Era fraco, naturalmente, nas regiões mais distantes, como a Gália central e do norte. Em todas essas regiões a Igreja alcançou e conquistou para suas fileiras, povos das mais variadas línguas, civilizações e costumes, que não faziam parte da civilização greco-romana. O Cristianismo já se mostrava mais envolvente e abrangente do que qualquer outra tradição cultural. Não só os limites do Império foram alcançados pelo Cristianismo, mas até o leste da Síria e a Mesopotâmia receberam a influência poderosa do Evangelho.

 
O Cristianismo introduziu-se em todas as classes sociais. Passara o tempo em que só se encontravam Cristãos entre as classes paupérrimas e iletradas. Bom número de pessoas das classes mais altas e ricas vieram a integrar à Igreja. Era muitos Cristãos que serviam como funcionários da corte imperial e entre os elementos mais importantes do governo. Não obstante haver na Igreja forte opinião de que o Cristianismo era incompatível com a profissão de soldado, eram muitos os Cristãos no exército durante o II Século. Era numeroso o número de soldados Cristãos no exército de Diocleciano. Muitos homens de apurada cultura tornaram-se discípulos de Cristo. A classe mais poderosa no Cristianismo era, porém, constituída de artesãos, pequenos negociantes e proprietários de pequenas áreas de terra.

 
Meios de Crescimento da Igreja:
 

Um dos meios de crescimento da Igreja nessa época, foram os diversos escritores literários do Cristianismo, que eram chamados "apologistas". Aliás, isto confirma que, entre os elementos de projeção na sociedade, a Igreja vinha conquistando alguns intelectuais. Dentre os apologistas de maior expressão nessa época podemos destacar os nomes de Justino, Orígenes e Tertuliano.

Justino escreveu vários livros, através dos quais explicou a verdade Cristã como meio e resposta às indagações pagãs. Ele foi, pois, considerado um dos pioneiros do Cristianismo da metade do primeiro milênio da histeria da Igreja. Tertuliano era advogado cartaginês. Era dotado de qualidades extraordinárias, de pensamento agudo, de linguagem vigorosa e elegante. Alimentava profundo interesse e zelo por Cristo e seus ensinos, o que lhe dera forte influência sobre os opositores do Cristianismo em sua época. O grande mestre Orígenes contribuiu efetivamente para a expansão do Cristianismo, tornando-o conhecido através dos bons livros que escreveu expondo as verdades evangélicas.

Devemos afirmar, porém, que a maior parte da obra que contribuiu poderosa e decididamente para espalhar a mensagem de Cristo, foi realizada pelos Cristãos individualmente. Por suas vidas, especialmente pelo seu amor fraternal e também pelo amor aos descrentes, pela vida consagrada e cheia do Espírito Santo, pela fidelidade e coragem sob as perseguições, e pelo testemunho oral da história do Evangelho, esses desconhecidos servos de Cristo trouxeram aos pés de Cristo a quase totalidade dos que foram ganhos para o reino de Deus.
 

XI - PRIMEIRAS PERSEGUIÇÕES
 

A Igreja, desde a morte do seu fundador, sofreu perseguições, ora com maior ora com menor intensidade. Geralmente essas perseguições eram provocadas pelos judeus fanáticos e nunca por uma autoridade romana. Até os gentios se levantaram algumas vezes contra os seguidores de Cristo, mas, antes do ano 64, não encontramos nenhuma referência histórica indicando as autoridades romanas responsáveis por perseguição aos Cristãos.
 

Nero, o Perseguidor:
 

Nero, porém, veio quebrar essa linha de procedimento mantida pelos seus antecessores, embora nos primeiros anos de seu reinado, o evangelho gozasse de relativa liberdade, possuindo até seguidores entre os altos funcionários do império, e até mesmo entre os membros da própria casa imperial. Porém, no ano 55, Nero começa a sua escalada de violência. Nesse ano, por ocasião duma festa, Nero envenenou a Britânico, seu irmão adotivo. No ano 60 mandou matar Agripina, sua própria mãe. Ordenou a morte de Otávia, sua esposa, para casar-se com Pompéia.
 

Perseguição aos Cristãos:
 

No verão do ano 64, com o fim de reedificar Roma, fez lançar fogo a um bairro da cidade, acusando após os cristãos como responsáveis por tão grosseiro crime. 0 que os cristãos sofreram em decorrência dessa falsa acusação, é narrado pelo célebre historiador Tácito: - "Em primeiro lugar foram interrogados os que confessaram; então, baseado nas suas informações, uma vasta multidão foi condenada, não tanto pela culpa de incendiários, como pelo ódio para com a raça humana. A sua morte foi tornada mais cruel pelo escárnio que a acompanhou. Alguns foram vestidos de peles e despedaçados pelos cães; outros morreram numa cruz ou nas chamas; ainda outros foram queimados depois do pôr do sol, para assim iluminar as trevas. Nero mesmo cedeu os seus jardins para o espetáculo; deu uma exibição no circo e vestiu-se de cocheiro; ora associando-se com o povo, ora guiando o próprio carro. Assim, ainda que culpados e merecendo a pena mais dura, tinha-se compaixão deles, pois parecia que estavam sofrendo a morte não para beneficiar o Estado, mas para satisfazer a crueldade de um indivíduo". - (Anais XV 44).

 
Assim Morreram Eles:
 

Nesse primeiro período de perseguição sofrida pela Igreja, não poucos dos seus líderes, desde Estêvão, sofreram o mais cruel tipo de morte. Segundo a tradição, Mateus sofreu martírio pela espada na Etiópia. Marcos foi arrastado por um animal pelas ruas de Alexandria, até morrer. Lucas foi enforcado em uma oliveira, na Grécia. João foi lançado numa caldeira de óleo fervente, desterrado para a ilha de Patmos, depois morreu em Éfeso. Tiago, irmão de João, foi decapitado por ordem de Herodes, em Jerusalém. Tiago, o menor, foi lançado do templo abaixo, ao verificarem que ainda vivia, mataram-no a pauladas. Filipe foi enforcado em Hierápolis, na Frigia. De Bartolomeu tiraram a pele por ordem de um rei bárbaro. Tomé foi amarrado a uma cruz, e, ainda assim, pregou o evangelho de Cristo até morrer. André foi atravessado por uma lança. Judas foi morto a flechadas. Simão, o Zelote, foi crucificado na Pérsia. Matias foi primeiramente apedrejado e depois decapitado. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo.

Paulo, acorrentado em um cárcere romano, disse: "Já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo de minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos que amarem a sua vinda" (2 Tm 4.6-8). Não muito depois de haver escrito estas palavras, foi decapitado por ordem do imperador.
 

XII - PERÍODO DE MAIORES PERSEGUIÇÕES
 

Vimos afirmando que as grandes perseguições sofridas pelo Cristianismo nos três primeiros séculos da sua história, principalmente a partir do ano 64, foram movidas principalmente pelas autoridades do Império Romano. A Igreja foi alvo de maiores perseguições no período que vai de Nero, (ano 64) até Diocleciano, (ano 305), como passaremos a mostrar.

 
Nero:  
 

No ano 64 d.C., ocorreu o grande incêndio que destruiu grande parte da cidade de Roma, na época a capital do Império Romano. O povo suspeitava que o próprio Nero tivesse feito isso. No entanto, para desviar as atenções voltadas contra ele, acusou os Cristãos de haverem provocado o incêndio, e por isso foram punidos duramente. Milhares deles foram mortos da maneira mais cruel. Entre eles foi morto o apóstolo Paulo.
 

Domiciano:
 

(96 d.C.). Esse imperador foi o autor de uma das maiores perseguições aos Cristãos. Perseguiu-os e matou a muitos deles sob a acusação de que eram ateus, por se recusarem a participar do culto ao imperador. Essa perseguição foi breve, porém violenta em extremo. Cristãos aos milhares foram mortos em Roma e na Itália, entre eles, Flávio Clemente, primo do próprio imperador. A sua esposa Flávia Domitila foi exilada. No governo de Domiciano o apóstolo João foi exilado na ilha de Patmos.
 

Trajano:
 

(98-117 d.C.). Foi um dos melhores imperadores, mas achou que devia manter as leis do Império, mantendo o Cristianismo como religião ilegal. A Igreja era tida como uma sociedade secreta, o que as leis imperiais proibiam. Não molestava os Cristãos, porém, quando eram acusados, sofriam sérios castigos. Entre os que morreram durante o seu governo, estavam Simão, irmão de Jesus, bispo de Jerusalém, o qual foi crucificado no ano 107, e Inácio, segundo bispo de Antioquia, o qual foi levado preso para Roma e lançado vivo às feras no ano 110.
 

Plínio:

 
Enviado pelo imperador à Ásia Menor, para castigar os Cristãos que se recusassem a abjurar da fé em Cristo, escreveu ao imperador Trajano: "Eles afirmaram que o seu crime e o seu erro resumia-se nisto: costumavam reunir-se num dia estabelecido, antes de raiar o dia, e cantavam, revezando-se um hino a Cristo, como a um deus, e obrigavam-se a não roubar, nem furtar, nem adulterar; nunca faltar à palavra; nunca ser desleal, ainda que solicitados. Depois de fazerem isto, a praxe era separarem-se e depois reunirem-se novamente para uma refeição comum".

 
Adriano:

 
(117-138). Perseguiu os Cristãos, mas com moderação e brandura. Entretanto, Telésforo, pastor da Igreja de Roma, e muitos outros Cristãos, sofreram martírio. Apesar das perseguições nesse tempo, o Cristianismo alcançou marcante progresso em número de membros, riqueza, saber e influência na sociedade.
 

Antonino, o Pio:
 

(138-161). Este imperador de certo modo favoreceu o Cristianismo, mas sentiu que devia manter a lei que tratava da ilegalidade de um culto que não reconhecia o valor dos deuses do Império. Houve, contudo, nesse período, muitos mártires, entre os quais se destaca Policarpo, discípulo do apóstolo João, e um dos mais famosos pais da Igreja.

 
Marco Aurélio:
 

(161-180). Como fez Adriano, Marco Aurélio considerava a manutenção da religião oficial do Império uma necessidade política. Mas num ponto foi diferente de Adriano: estimulou a perseguição aos Cristãos. Foi cruel e bárbaro; o mais sanguinário depois de Nero. Milhares de Cristãos foram decapitados e lançados às feras, entre os quais Justino, um dos mais famosos apologistas da Igreja. Sua ferocidade foi demasiada no sul da Gália. Diz que a tortura que os Cristãos sofriam, sem darem qualquer demonstração de medo, eram quase que inacreditável. Supliciada da manhã até à noite, Blandina, uma escrava crente, só fazia exclamar: "Sou Cristã! Entre nós não se pratica nenhum mal!"

 
Sétimo Severo:
 

(193-211). Foi muito pesada a perseguição sofrida pela Igreja durante este governo. Os Cristãos do Egito e norte da África foram os que mais sofreram. Em Alexandria muitos mártires eram diariamente queimados, crucificados ou degolados, entre os quais Leônidas, pai de Orígenes. Em Cartago, na África, Perpétua, senhora nobre, e sua filha escrava, Felicidade, foram mortas estraçalhadas pelas feras.
 

Maximino:
 

(235-238). Nesse período, muitos destacados líderes Cristãos morreram. Orígenes só escapou porque conseguiu esconder-se em tempo.
 

Décio:
 

(249-251). Esse imperador decidiu-se resolutamente destruir o Cristianismo. Sua perseguição estendeu-se por todo o império, e foi muito violento. Multidões pereceram sob as mais cruéis torturas, em Roma, norte da África, Egito e Ásia Menor. A respeito dessa época, disse Cipriano: "O mundo inteiro está devastado!"
 

Valeriano:
 

(253-260). Revelou-se mais severo do que Décio. Visava destruir o Cristianismo completamente. Nesse tempo muitos líderes Cristãos ilustres foram executados, entre eles, Cipriano, bispo de Cartago.  
 

Diocleciano:
 

(284-305). Sob esse governo aconteceu a última perseguição imperial e a mais severa de todas. Estendeu-se por todo o Império. Durante dez anos os Cristãos foram caçados como feras pelas cavernas e florestas, queimados, lançados às feras, mortos pelos métodos mais cruéis. Foi um esforço diabólico determinado a abolir o Cristianismo.
 

XIII - OS PAIS DA IGREJA
 

Nos primeiros quatro séculos da Igreja, santos homens destacaram-se pela piedade e devoção a Cristo, qualidades essas que velavam-se de maneira especial em meio às tribulações e perseguições. Esses homens foram chamados de "Pais da Igreja", pela vivência mais direta com as coisas da Igreja, e pelo relacionamento que mantiveram com alguns discípulos e apóstolos que conheceram e gozaram da companhia de Jesus Cristo. Entre os mais ilustres Pais da Igreja destacamos os que se seguem:

 
Inácio:

 
(67-110). Piedoso discípulo do apóstolo João e bispo de Antioquia, Inácio foi preso por ordem do imperador Trajano quando visitava essa cidade. O próprio Trajano presidiu seu julgamento e sentenciou que Inácio fosse lançado às feras em Roma. De viagem para esta cidade, escreveu uma longa carta aos Cristãos romanos, pedindo-lhes que evitassem conseguir o seu perdão junto ao imperador, pois ansiava ter a honra de morrer pelo seu Senhor. Nessa sua carta, dizia ele: "As feras atirem-se com avidez sobre mim. Se elas não se dispuserem a isto, eu as provocarei. Vinde multidões de feras! Vinde! Lacerai-me, estraçalhai-me, quebrai-me os ossos, triturai-me os membros! Vinde cruéis torturas do demônio! Deixai-me apenas que eu me una a Cristo!" Sentiu grande gozo enquanto era martirizado.

 
Policarpo:
 

(69-156). Foi outro piedoso discípulo do apóstolo João e bispo de Esmirna. Na perseguição ordenada pelo imperador Antonino, o Pio, foi preso e levado à presença do governador. Ofereceram-lhe a liberdade, se amaldiçoasse a Cristo, mas ele respondeu: "Oitenta e seis anos faz que só me tem feito bem. Como poderei eu, agora, amaldiçoá-lo, sendo ele meu Senhor e Salvador?" Não muito depois disto foi queimado vivo por ordem do imperador.
 

Papias:
 

(70-155). Outro discípulo do apóstolo João, e bispo de Hierápolis, a uns 160 quilômetros a leste de Éfeso. Papias e Inácio, formam o elo de ligação entre a era apostólica e a seguinte.
 

Justino:
 

(100-167). Nasceu em Neápolis, antiga Siquém, mais ou menos na época da morte do apóstolo João. Estudou filosofia. Quando ainda jovem, testemunhou muitas perseguições movidas contra os Cristãos. Converteu-se. Viajou como um dos primeiros missionários itinerantes do período pós-apostólico, na conquista de almas para Cristo. Como um dos mais respeitados apologistas da época, escreveu uma de suas apologias e a enviou ao imperador Antonino, o Pio e a seus filhos adotivos. Foi um dos homens mais cultos e piedosos da sua época. Morreu martirizado em Roma. Revelando o crescimento do Cristianismo, disse ele que já no seu tempo não havia "raça de homens que não fizesse orações em nome de Jesus".
 

Irineu:
 

(130-200). Viveu seus primeiros anos em Esmirna. Foi discípulo de Policarpo e Papias. Viveu muito e veio a ser bispo da igreja em Lião, na Gália. Foi notável, principalmente por causa dos livros de apologia que escreveu contra o gnosticismo. Foi martirizado.
 

Tertuliano:
 

(160-220). Nascido em Cartago, na África, Tertuliano é considerado o "pai do Cristianismo latino". De advogado romano, pagão, que era, converteu-se ao Cristianismo. Era portador de dons extraordinários, de pensamento fértil, de linguagem vigorosa, elegante, vívido e satírico. Esses dons, aliados a um zelo profundo por Cristo e um profundo senso de moralidade, deram-lhe notável e poderosa influência. Em muitos dos seus escritos refutou falsas acusações contra os Cristãos e o Cristianismo, salientando o poder da verdade Cristã.
 

Orígenes:
 

(185-254). O homem mais ilustre da Igreja antiga. Empreendeu muitas viagens proclamando o Evangelho. Escreveu muitos livros com milhares de cópias, empregando às vezes vinte copistas. Dois terços do Novo Testamento estão citados em seus escritos. Viveu por muitos anos em Alexandria, onde seu pai, Leônidas, sofreu martírio. Habitou depois na Palestina, onde foi preso e martirizado por ordem do imperador Décio.
 

Eusébio:
 

(264-340). Conhecido como "O Pai da História Eclesiástica", Eusébio foi bispo de Cesareia ao tempo de Constantino. Teve muita influência junto a este imperador. Escreveu uma "História Eclesiástica", indo de Cristo ao Concilio de Nicéia.
 

Jerônimo:
 

(340-420). Considerado "o mais ilustre dos pais da Igreja", Jerônimo foi educado em Roma. Viveu muitos anos na cidade de Belém da Judéia. Traduziu a Bíblia para o latim, chamada "Vulgata", ainda hoje usada como texto oficial da Igreja Católica Romana.
 

João Crisóstomo:
 

(345-407). Ficou conhecido como "o boca de ouro", por haver se revelado um orador inigualável e o maior pregador do seu tempo. Suas pregações eram expositivas. Nasceu na cidade de Antioquia e veio a ser patriarca de Constantinopla. Pregou a grandes multidões na Igreja de Santa Sofia. Como reformador, caiu no desagrado do rei; foi banido e faleceu no exílio.
 

Agostinho:
 

(354-430). Foi bispo de Hipona, ao norte da África, tornando-se conhecido como o grande teólogo da Igreja antiga. Mais do que qualquer outro, moldou as doutrinas da Igreja da Idade Média. Quando jovem, brilhou por sua cultura, mas vivia em dissolução. Tornou-se crente por influência de Mônica, sua piedosa mãe, de Ambrósio, bispo de Milão, e das epístolas do apóstolo Paulo.
 

XIV - AS ACUSAÇÕES CONTRA OS CRISTÃOS
 

O que nessa época se dizia acerca dos Cristãos pode ser classificado em duas categorias: os rumores populares e as críticas por parte da classe culta.
 

Os Rumores Populares:
 

Os rumores populares contra o Cristianismo se baseavam em algo que os pagãos ouviam dizer ou viam os Cristãos fazer, e então o interpretavam erroneamente. Por exemplo, os Cristãos se reuniam no primeiro dia da semana para uma refeição comunitária, a qual só eram admitidos os batizados. Além disso, os Cristãos se chamavam "irmãos" entre si. Partindo disso, muitos pagãos passaram a crer que os Cristãos se reuniam para orgias em que se davam uniões incestuosas. Segundo os rumores, os Cristãos comiam e bebiam até embriagarem-se, e então apagavam as luzes e davam vazão a paixões carnais.

 
Rumores outros totalmente irracionais de práticas religiosas absurdas, circulavam entre os pagãos concernente aos Cristãos. A mente doentia e pervertida dos pagãos e a inimizade que devotavam aos Cristãos, abrigava tais rumores.

 
Outra estranha opinião que alguns sustentavam, era que os Cristãos adoravam a um asno crucificado. Antes disso esses inimigos afirmavam que os judeus adoravam um asno. Agora transferiam essa opinião aos Cristãos.  
 

Os Rumores da Parte dos Intelectuais:
 

Como foi dito no princípio, havia outras acusações que se faziam contra os Cristãos, não pelas pessoas simples, mas por pessoas cultas, muitas das quais tinham algum conhecimento das doutrinas Cristãs. Sob diversas formas, todas estas acusações podiam ser resumidas no seguinte: os Cristãos eram pessoas ignorantes cujas doutrinas, pregadas sob um verniz de sabedoria, eram em realidade tolas e contraditórias. Em geral, esta era a atitude adotada pelos pagãos cultos e de boa posição social. Para eles os Cristãos era gente desprezível. Na época do imperador Marco Aurélio, Celso, um autor erudito, compôs contra os Cristãos um tratado chamado "A palavra verdadeira". Ali Celso expressa o sentimento dos que, como ele, se consideravam sábios e de cultura refinada:

"Em algumas casas privadas encontramos com pessoas que trabalham com lã e com trapos, e como sapateiros, isto é, pessoas mais incultas e ignorantes. Diante dos chefes de família, esta gente não se atreve a dizer uma só palavra. Mas assim que conseguem ficar a sós com os meninos da casa, ou com algumas mulheres tão ignorantes como eles, começam a lhes dizer maravilhas... Os que deveras queiram saber a verdade, que deixem a seus mestres e a seus pais, e que se juntem com as mulheres e os meninos às habitações das mulheres, ou à oficina do sapateiro, ou à selaria, e ali aprenderão a vida perfeita. É assim que estes Cristãos encontram pessoas que lhes dão crédito" - (Orígenes, Contra Celso, 3.55).
 

0 Papel dos Apologistas:
 

A tarefa de defender a fé, diante de ataques desta natureza produziu algumas das mais notáveis obras teológicas do II Século. E ainda no III e IV não faltou quem continuasse essa tradição. De nossa perspectiva, entretanto, os autores que nos interessam no momento são os que primeiro enfrentaram essa tarefa, isto é, os que escreveram durante o II Século e os primeiros anos do III. As mais famosas apologias dessa época foram:
 

1. - "Discurso a Diogeneto", de Quadrato.
2. - "Diálogo com Trifon", de Justino.
3. - "Discurso aos gregos", de Taciano.
4. - "Defesa dos Cristãos", de Atenágoras.
5. - "Três livros a Autólico", de Teófilo.
6. - "Contra Celso", de Orígenes.
7. - "Apologia", de Tertuliano.
8. - "Otávio", de Minúcio Félix.
               
 

É certo que as defesas apresentadas por esses apologistas não conseguiram influenciar a opinião pagã daquela época, como também não conseguiram demover os governantes de suas decisões de continuar perseguindo à Igreja. Entretanto, suas obras eram tidas, com justiça, em alta conta nos círculos Cristãos. Elas contribuíram sobremaneira para encorajar os Cristãos e para incentivá-los a permanecerem na luta pela causa do Cristianismo.
 
 

XV - O PERIGO DAS HERESIAS
 

O diabo, inimigo maior da Igreja, sempre lançou mão de duas armas aparentemente infalíveis, com o propósito de destruí-la: a primeira foi a fúria incontida dos judeus incrédulos e posteriormente a perseguição movida pelas autoridades do Império Romano. 0 sangue derramado pelos Cristãos era tal qual semente lançada em terra fértil. Quanto mais a Igreja era perseguida, mais ela crescia e se fortalecia. 0 Diabo lançou mão da segunda arma, a proliferação de ensinos heréticos visando minar a fé dos crentes e a doutrina das Escrituras.

 
As multidões que se convertiam ao Cristianismo não aderiam à fé Cristã livres de bagagem cultural. Pelo contrário, cada qual trazia para dentro da Igreja suas próprias experiências e seus próprios conhecimentos. Esta variedade cultural, num certo sentido foi de grande valor para a Igreja e, em todos os casos era sinal da universalidade do Evangelho. Mas, por outro lado, esta situação sugeria a liberdade para que alguns começassem a oferecer suas próprias interpretações da Fé Cristã, e à medida que isto acontecia, algumas dessas interpretações divergiam radicalmente da Fé Cristã. Este perigo era ainda maior diante do fato de que o mundo da época era acentuadamente sincretista, isto é: havia uma grande mistura de cultos oferecidos a uma mesma divindade. À medida em que o tempo passava foi possível verificar que muitas pessoas buscavam não uma doutrina única, mas um sistema que de algum modo combinasse todas as doutrinas, tomando um pouco de cada uma.

 
Dessa miscelânea surgiu aquilo que hoje é a monolítica Igreja Católica Romana, com suas cerimônias, ora a identificá-la com o Cristianismo, ora com o paganismo. 0 que estava em jogo, portanto, não era simplesmente tal ou qual elemento do Cristianismo, mas sim a questão fundamental: tinha ou não a nova fé uma mensagem única, e em que sentido era única essa mensagem. Desse conflito de interesses surgiram heresias as mais absurdas, como as que são mostradas nesta Apostila.

 
XVI - O GNOSTICISMO

 
Gnosticismo (palavra oriunda de "gnosis" = conhecimento) é o nome comum aplicado à várias escolas de pensamento que surgiram nos primeiros séculos da era Cristã. No que tange à "gnosis" Cristã, isto se refere à tentativa de incluir o Cristianismo num sistema geral filosófico-religioso. Os elementos mais marcantes neste sistema eram certas especulações místicas e cosmológicas, além da doutrina da salvação salientando o livramento do espírito de sua servidão à matéria. Como religião, o gnosticismo tinha seus próprios mistérios e cerimônias sacramentais, além duma ética que pregava ou o ascetismo ou a libertinagem.

 
Possíveis Origens do Gnosticismo:

 
Os Pais da Igreja concordam que o gnosticismo iniciou com Simão, o Mágico (At 8). Segundo um certo Hegesipo, citado por Eusébio numa de suas obras, o gnosticismo principiou entre certas seitas judaicas. Pais Eclesiásticos posteriores como Irineu, Tertuliano e Hipólito, por sua vez, sustentavam a opinião segundo a qual a filosofia grega de Platão, Aristóteles, Pitágoras e Zenão, era a principal fonte da heresia gnóstica.

O gnosticismo ensinava que sua filosofia estava fundamentada no "conhecimento" (gnosis), não no sentido em que nós interpretamos, mas no sentido esotérico, isto é, esse tipo de "conhecimento" era uma sabedoria mística, sobrenatural, mediante a qual os iniciados eram levados a um verdadeiro entendimento do universo e salvos deste mundo da matéria. O gnosticismo assemelhava-se às religiões místicas. Sua característica de maior destaque, porém, era o sincretismo - meio através do qual procurava reunir os principais ensinos do Evangelho, interpretando-os à luz das formas mais absurdas das religiões místicas que nada tem a ver com o Novo Testamento.
 

Que Ensinava o Gnosticismo:
 

A complexidade e volume do ensino gnóstico nos impede de abordar todos os aspectos do mesmo em apenas um Texto duma apostila deste porte. Por esta razão, vamos mostrar em resumo o que o gnosticismo ensina acerca dos seguintes assuntos:

 
1) 0 Universo: Sustentava uma visão dualista ou dupla do universo, de origem persa, e uma doutrina da origem de Deus em torno do "pleroma"', ou esfera central do espírito, provavelmente de origem egípcia. 0 conceito provavelmente mais fundamental - a saber, o caráter totalmente mau dos fenômenos, - vinha da combinação da teoria de Platão, filósofo e pensador grego, que ensinava haver grande contraste entre o mundo espiritual e o mundo visível. Ensinava que o primeiro o mundo espiritual, era bom e que o homem deveria esforçar-se por readquiri-lo. O segundo, o mundo das coisas palpáveis eram totalmente mau, verdadeira prisão para o homem.
 

2) Cristo: O gnosticismo ensinava que, uma vez que o mundo material é mau, Cristo não podia, em hipótese alguma, se encarnar. Ensinava que o aparecimento de Cristo teria sido como a aparição dum fantasma, ou tendo como habitação temporária o homem chamado Jesus. Seu nascimento duma virgem teria sido aparente, sem participação da natureza material e humana. Segundo o gnosticismo, tão grande era o contraste entre a vida terrena de humilhação e à pré-existência e pós-existência em glória, de Cristo, que a solução mais simples para o problema a seu respeito seria negar a sua existência. Por isso ensinava que Cristo, na realidade apareceu e ensinou os seus discípulos, mas durante esse tempo, era também um Ser Celestial, e não carne e sangue.
 

3) A Salvação: Para salvar-se, o homem precisa livrar-se da prisão do mundo visível e seus poderes - os poderes planetários - o que se dá através de uma "iluminação espiritual mística". É um acontecimento que põe seu seguidor em comunhão com o mundo das realidades espirituais.
 

4) 0 Conhecimento: Os gnósticos ensinavam que nem todos os Cristãos possuíam o "conhecimento" salvífico, afirmando que este era um ensinamento secreto transmitido pelos apóstolos aos seus discípulos mais íntimos. Era uma exposição de "sabedoria entre os perfeitos", sendo isto uma falsa interpretação de 1Co 2.6. É verdade que embora Paulo estivesse muito longe de ser um gnóstico, muita coisa há nos seus ensinos de que maldosamente se serviam os gnósticos, torcendo a Palavra de Deus. 0 contraste violento entre a carne e o espírito, o conceito de Cristo vitorioso sobre "principados e potestades" e a ideia de Cristo como homem vindo do Céu (1Co 15.47-49). Todas essas são idéias paulinas de que os gnósticos se aproveitaram.
 
0 chamado "Gnosticismo Cristão" chegou ao apogeu entre os anos 135 a 160, aproximadamente, embora continuasse a existir muito depois desses anos. Da crise gnóstica adveio o desenvolvimento dos credos, especialmente no Ocidente.
 

XVII - 0 MARCIONISMO

 
Marcião era um homem rico, filho do bispo de Sínope, na região do Ponto, na Ásia Menor. Ali havia conhecido a Fé Cristã. Mas, ao mesmo tempo, Marcião parece ter sentido duas fortes antipatias: contra esse mundo material, e contra o judaísmo. Portanto, sua doutrina combina estes dois elementos.
 

Marcião Muda Para Roma:
 

No ano 144, Marcião foi à Roma onde filiou-se à Congregação Cristã aí existente, da qual alguns membros pensaram em fazê-lo bispo. Mas com o passar do tempo, a comunidade Cristã de Roma começou a observar os seus desvios quanto ao ensino da Fé Cristã. Aborrecido, afastou-se da Igreja Cristã, fundando a sua própria Igreja, conseguindo não poucos seguidores.

 
0 Que Marcião Ensinava:

 
Marcião acreditava num deus deste mundo, contrastando com o Deus de misericórdia revelado em Jesus Cristo, ideia esta adotada por força de sua angústia diante do problema do sofrimento e de todo o mal. Depois, influenciado por Cerdo, gnóstico de Roma, Marcião teria mudado de posição, adotando a ideia de um deus-Criador - o Deus do Antigo Testamento, não mais totalmente mau, mas fraco. Desprezava toda forma de legalismo e judaísmo. Para ele, apenas Paulo conseguira realmente entender o Evangelho. Todos os outros haviam caído nos erros do judaísmo. Ensinava ainda que o Deus do Antigo Testamento é um Deus justo no sentido de exigir "olho por olho, dente por dente". Foi esse Deus que criou o mundo e deu a lei judaica.

Quanto a Cristo, este foi quem revelou o Deus misericordioso e bondoso, até então desconhecido. Ensinava também que o Deus do Antigo Testamento se opusera ao Deus do Novo, mas em Cristo destruíra-se a autoridade da lei judaica e o "Deus justo" tornou-se injusto por causa de sua hostilidade injustificada Aquele (Jesus) que revelara, pelo que deviam ser rejeitados pelos Cristãos. E ele prosseguia afirmando que se só à pessoa de Cristo fora dado proclamar o Evangelho, então o único conhecimento verdadeiro de Deus vem através de Cristo.

 
A Excomunhão de Marcião:

 
Em razão do proselitismo no sentido de conquistar adeptos à sua pregação herética, Marcião recebeu sua excomunhão, por volta do ano 144. Depois disto compilou um cânon de livros sagrados do seu movimento, composto de dez epístolas de Paulo, sem incluir as pastorais. Incluía o Evangelho de Lucas. Mas eliminou desses livros todas as passagens que dessem a entender que Cristo considerava o Deus do Antigo Testamento seu Pai, ou de alguma maneira relacionado com Ele. Parece-nos que foi esta a primeira tentativa de formar uma coleção autorizada de escritos do Antigo Testamento.

Evidentemente, os ensinos de Marcião representavam grande perigo para a Doutrina Cristã: separava o Cristianismo de suas raízes históricas, radicalmente; negava a encarnação real de Cristo; e condenava o Antigo Testamento e o seu Deus. As Igrejas de Marcião conseguiram muitos adeptos, e, como joio que. rapidamente se espalha no meio do trigo, assim elas se espalharam muito, principalmente no Oriente. Temos notícia da existência desse movimento até o V Século. Nada há registrado na história quanto ao que depois aconteceu a Marcião.

 
XVIII - OUTRAS CORRENTES HERÉTICAS
 

As principais doutrinas heréticas, normalmente giravam em torno da pessoa e obra de Jesus Cristo, pois nem todos o viam como ele é revelado por Deus através das Escrituras. Assim foi no princípio, e parece há de continuar até o final da Dispensação da Graça.

 
A Pessoa de Cristo:
 

No princípio cada um tinha uma resposta diferente à indagação de Cristo: "Quem dizem os homens ser o Filho do homem?" (Mt 16.13).

 
Alguns que o viam citando a lei e confirmando-a, simplesmente diziam: "Este é Moisés". Outros que testemunhavam o seu zelo em converter os homens ao verdadeiro Deus, simplesmente respondiam: "Este, sem dúvida, é Elias". Outros que O viam chorar apaixonadamente sobre cidades impenitentes, diziam: "Este é Jeremias". E outros que 0 viam pregar o arrependimento, confessavam a seu respeito: "Este é João Batista". Somente Simão Pedro respondeu por revelação do Espírito de Deus: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16.16). 0 ensino deturpado a respeito de Cristo tem se constituído num dos mais evidentes sinais dos tempos. Veja o que acerca da singular pessoa de Jesus, ensinaram os seguintes movimentos religiosos ao longo dos tempos:
 

0 Ebionismo:
 

Negava a natureza de Cristo, considerando-0 um mero homem.
 

O Cerintianismo:
 

Mantinha a doutrina de que não houvera união das duas naturezas em Jesus, senão após seu batismo, estabelecendo assim a Divindade de Cristo como dependendo do batismo, e não por virtude do seu nascimento.
 

0 Docetismo:
 

Negava a realidade do corpo de Cristo, porque julgava que sua natureza não podia estar ligada à matéria que, originalmente, reputava má. 0 aluno poderá se lembrar que esse era principalmente o pensamento do Gnosticismo a respeito de Cristo.
 

0 Arianismo:
 

Considerava Cristo como o mais elevado dos seres existentes, negando assim Sua Divindade e interpretando erroneamente sua humilhação temporária e voluntária.
 

0 Apolinarianismo:
 

Negava a união das duas naturezas - humana e divina, fazendo de Cristo duas pessoas diferentes e distintas.
 

O Eutiquianismo:
 

Afirmava que as duas naturezas de Cristo se uniam em uma só, e que esta era predominantemente Divina, porém, não no mesmo plano da natureza Divina original.
 

XIX - O ARIANISMO
 

Como se não bastasse a luta do Cristianismo contra o gnosticismo e outros movimentos heréticos, surge uma das mais duras pelejas teológicas de toda a história da Igreja. Esta luta teve início em forma de frequentes choques doutrinários, principalmente quanto à Divindade de Jesus Cristo, entre o presbítero Ário e seu bispo Alexandre, em Alexandria, pelos idos do ano 320.

 
Conhecendo Ário e a Seus Ensinos:
 

Discípulo de Luciano de Antioquia, Ário era um presbítero dirigente de certa igreja na região. Era já de certa idade e tido em alta consideração como pregador de grande erudição, capacidade e devoção. Ele passou a apresentar Cristo como um ser criado. Como tal, Cristo não era da mesma substância de Deus, tendo sido feito do "nada", como as demais coisas criadas. Não era, por conseguinte, eterno, embora fosse o primeiro entre as criaturas e agente da criação do universo.
 

Afirmava Ário:
 

"O Filho tem princípio, mas Deus é sem princípio." Para Ário, Cristo era, na verdade, Deus em certo sentido, mas um Deus inferior, de modo algum uno com o Pai em essência" e eternidade. No pensamento de Ário, por conseguinte, Cristo não era nem perfeitamente Deus, nem perfeitamente homem, mas um ser intermediário. Esta é basicamente a doutrina largamente ensinada hoje pela seita dos falsos "Testemunhas de Jeová".
 

Reações de Alexandre:
 

Para o bispo de Ário, Alexandre, o Filho era eterno, da mesma substância do Pai e absolutamente incriado. Talvez faltasse à sua concepção apenas um pouco mais de clareza, mas evidenciava-se a discussão entre os dois, aparentemente por iniciativa de Ário e com intensidade cada vez maior.

 
Por volta dos anos 320 e 321, Alexandre convocou um sínodo em Alexandria, por ocasião do qual foi lançada condenação sobre Ário e sobre alguns outros que simpatizavam com sua causa. Foi aí que Ário buscou auxílio junto a um antigo colega de escola, o poderoso bispo Eusébio de Nicomédia, refugiando-se ao seu lado. Alexandre escreveu várias cartas aos seus colegas de episcopado declarando a excomunhão de Ário, ao passo que este, auxiliado por Eusébio, defendia sua posição.

 
Diante da controvérsia, Constantino enviou à Alexandria o seu principal conselheiro para assuntos eclesiásticos, o bispo Hósio, de Cordóva, na Espanha. Sua mensagem a Alexandre era no sentido de que se preservasse a paz, pois que o problema em debate nada mais era que "uma questão sem proveito".
 
 

O Concilio de Nicéia:
 

Como de nada adiantou a intervenção do imperador Constantino, este fez convocar um Concilio de toda a Igreja. Todos os bispos do Império foram convocados. Isto deu-se em 324. Participaram do conclave, bispos, bem como clérigos de ordens inferiores. Estes não tinham direito de voto. Os orientais sobrepujaram os ocidentais em número, com grande diferença. Dos trezentos inscritos, apenas seis eram do Ocidente.

 
O Concilio estava dividido em três partidos: um pequeno, radicalmente ariano, liderado por Eusébio de Nicomédia; o segundo, também pequeno, apoiava Alexandre com grande entusiasmo. A maioria fora reservada ao terceiro grupo, sob a liderança do historiador Eusébio de Cesaréia. Eram homens pouco versados nos problemas sob discussão. Eram os "simplórios", segundo certo escritor.

 
Na ocasião o Concilio ratificou a excomunhão de Ário, o qual foi banido de Alexandria por ordem do imperador. A política imperial conseguira manter a unidade da Igreja, dando a esta o que nunca possuíra, a saber, uma declaração de fé que podia ser considerada um credo universalmente aceito.

 
XX - REAÇÕES PÓS-NICENAS

 
Atanásio era ainda diácono quando dos primeiros passos da controvérsia ariana, contudo, teve grandiosa influência nas decisões tomadas no final do Concilio de Nicéia, pois, na época, ocupava o honroso cargo de secretário particular de Alexandre, Bispo de Alexandria. Nessa qualidade acompanhou-o quando este compareceu ao Concilio de Nicéia para questionar o arianismo.

 
Atanásio, Bispo de Alexandria:
 

Morrendo Alexandre no ano 328, Atanásio foi eleito bispo de Alexandria, posto que ocupou com desvelo apesar de combatido e cinco vezes desterrado, até sua morte no ano 373. A Atanásio se deve, principalmente, a vitória final da teologia de Nicéia, já que o Ocidente niceno não contava com nenhum teólogo de expressão. Para Atanásio, o arianismo punha em jogo a própria salvação, muito mais importante do que qualquer outra coisa na Igreja, pois segundo ele: o que vale a doutrina quando não há salvação? A razão principal do seu poder e influência residiu no fato de ter conseguido convencer disso os demais Cristãos do seu tempo. Nos seus dias a Igreja tinha uma crença muito complexa torno da salvação, como algo místico, completamente sem fundamento nas Escrituras. Assim, na opinião de Atanásio, o grande erro praticado pelo Arianismo consistia em não oferecer base ou fundamento para uma salvação real e plena.

 
Eusébio Combate a Atanásio:

 
Eusébio de Nicomédia, amigo de Ário, viu desde cedo em Atanásio o inimigo número um da causa ariana. Já que Ário fora deportado de Alexandria, pelo que não podia responder às acusações contra ele feitas por Atanásio, Eusébio, seu amigo, assumiu a sua defesa. Foi assim que Eusébio começou a formular planos no sentido de derrotar Atanásio, restaurar Ário à comunhão da Igreja, e posteriormente, fazê-lo bispo da igreja em Alexandria. Pelo que parece, por iniciativa de Eusébio, Ário apresentou ao imperador Constantino um credo em que evitava definição com respeito ao problema discutido no Concilio de Nicéia. Aceito o novo credo de Ário, seria o primeiro passo para a sua restauração à comunhão da Igreja. Constantino, que era um leigo em assuntos teológicos, sem discussão, aceitou o credo apresentado por Ário, ordenando em seguida que Atanásio restituísse a Ário, o bispado de Alexandria. Como Atanásio recusou-se a obedecer a determinação imperial, foi acusado de despotismo e conduta desleal. A resistência de Atanásio de nada adiantou para impedir o seu despojamento do cargo de bispo.

 
A Vitória Final do Arianismo:

 
Os eusebianos planejaram uma grande festa para comemorar a volta de Ário à comunhão da Igreja e sua elevação à função de bispo de Alexandria. Porém o inesperado aconteceu: na noite anterior à cerimônia de readmissão, Ário morreu subitamente. Isto foi no ano 336. A fé nicena parecia, senão oficialmente renegada, ferida mortalmente quando Constantino morreu, em 22 de maio do ano 337. Conclusão, todos esses movimentos heréticos não eram outra coisa senão a ação diabólica para corromper a fé e a natureza doutrinária da Igreja. Isso, de uma forma ou de outra, tem continuado através dos tempos, fato este, previsto nas Escrituras.

 
XXI - DE CONSTANTINO AO FIM DA IDADE MÉDIA
 

Constantino, o imperador romano, conhecido também por Constantino I, o Grande, foi homem de decisões sempre tomadas sob prisma político.

 
0 Cristianismo constituía, indubitavelmente, um elemento importantíssimo no processo de unificação do Império. Havia uma só lei, um só imperador e uma única cidadania para todos os homens livres. Assim, mister se fazia que houvesse uma só religião. Constantino não hesitou em fazer do Cristianismo a religião oficial do Império, o que contribuiu para grandes prejuízos, principalmente doutrinários, que a Igreja sofreria nos anos posteriores. Em decorrência disso, a Igreja entrou numa das fases mais difíceis de sua história.

A Igreja constituiu-se numa verdadeira força política. 0 papa tornou-se senhor absoluto da Igreja. Esta que antes dependia só de Deus através da fidelidade de seus líderes e membros, era agora um grande rebanho sem pastor, com as ovelhas em dispersão.

 
No ano 869 - deu-se o inevitável rompimento entre a Cristandade do Oriente e a do Ocidente, dividindo a Igreja antes una, em duas: uma com sede em Roma, a antiga sede imperial, e a outra em Constantinopla, atual sede do Império. A partir daí tiveram início lutas amargas por causa de doutrinas e ritos, até 1054, quando o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla se desentenderam e se excomungaram mutuamente. Desde aí a Igreja dividiu-se, cada uma buscando para si o direito de ser a verdadeira Igreja Católica e recusando a outra qualquer reconhecimento. Apesar de todos os conflitos que envolviam a Igreja, Deus trouxe à luz, homens cujo compromisso único era pregar e viver o Evangelho de Jesus, na simplicidade que tinha no princípio. Foram esses homens que no final da Idade Média prepararam as veredas pelas quais os movimentos reformistas haveriam de trilhar, libertando a Igreja outra vez.

 
XXII - A IGREJA NOS DIAS DE CONSTANTINO
 

Por crer que o Deus dos Cristãos foi seu aliado na luta contra o imperador Maxêncio, após o que viria a se tornar senhor soberano sobre o Império, Constantino beneficiou os Cristãos, transformando o Cristianismo em religião oficial do Estado.

 
A Expansão da Igreja:
 

Sem dúvida, a Igreja cresceu com grande rapidez sob a proteção de Constantino. Mais do que isto: tão logo Constantino constituiu a si mesmo patrono do Cristianismo, passou a fazer ofertas vultuosas para construção de templos, sustento de ministros religiosos, inclusive isentando-os de impostos. Apesar de nada entender de teologia, influía decisivamente nos assuntos administrativos e doutrinários da Igreja. Nessa época muitos templos e ídolos pagãos foram destruídos; e, pelos idos do ano 400, o culto pagão já não existia. Dir-se-ia que para o Cristianismo isto representava retumbante vitória. Entretanto, não era uma vitória real, considerando que a Igreja Cristã estava cheia de pessoas que não possuíam o mínimo de conhecimento de Cristo, nem nunca experimentaram o novo nascimento bíblico - o ponto de partida da verdadeira vida Cristã.

 
A Vida da Igreja:
 

A nova posição assumida pela Igreja, dependendo do Império, de modo algum beneficiava a sua vida. A entrada de milhares de pessoas não-salvas em suas fileiras, foi um impedimento à manutenção da vida verdadeiramente Cristã, preparo e desenvolvimento de novos discípulos de Cristo. Como já dissemos, a maioria dos que faziam parte da Igreja, era formada por gente pagã e de vida por demais tortuosa. Não demorou para que houvesse violenta queda moral da Igreja. Para certos atos julgados imorais, havia severas penas, enquanto, para ofensas menores, havia penitências, tais como: confissões públicas, jejuns e orações. Para faltas mais graves, havia excomunhão. Por esse tempo, mesmo em meio ao grande declínio moral e espiritual da Igreja professa, muitos Cristãos sinceros tornaram-se sedentos por uma vida mais elevada, mais profunda, mais santa e piedosa do que a que eles viam ao seu redor. Disso surgiu uma forma de vida que estava destinada a se tornar uma das mais poderosas forças na história do Cristianismo - o monaquismo. Muitos homens tornaram-se monges, com o expresso desejo de salvação.

 
Como nos primeiros séculos do Cristianismo o mundo era de formação religiosa eminentemente pagã, a própria Igreja muitas vezes mostrou pouca força na luta contra o paganismo. Por isso, nessa época, os males que ela não podia evitar, impetrava sobre eles a sua bênção e os fazia parte comum da vida dos seus membros. Assim, os que desejavam uma vida santa de modo a agradar a Deus, acharam que a única maneira de alcançar esse nível de vida era afastando-se da sociedade má e da Igreja como comunidade. 0 aspecto da vida Cristã congregacional aos poucos deteriorava-se.

 
No VI Século, foi organizada por Bento de Núrsia, na Itália, a famosa ordem dos beneditinos. Em pouco tempo ela tornou-se praticamente a lei geral da vida monástica em todo o Ocidente. Do monge era exigido: abandono de propriedade, abstinência, ou seja, afastamento de certos alimentos, obediência aos superiores, silêncio, meditação, renúncia, humildade e fé.

 
O Declínio da Igreja:
 

Os bispos tornaram-se chefes da Igreja; prevalecendo entre eles a ambição de poder. Meios ilícitos, os mais vergonhosos, eram empregados neste sentido.

 
Diz o historiador Gibbons: "Enquanto, um dos candidatos ao bispado ostentava as honras de sua família, um segundo atraía os juízes pelas delícias de uma mesa farta, e um terceiro mais criminoso que os seus rivais, propunha repartir os saques da Igreja entre os cúmplices de suas aspirações sacrílegas."

 
0 ofício do bispo, que até então tinha sido um ofício assinalado pela humildade e trabalho, transformou-se num poço de esplendor profano, de arrogância, de opressão e suborno. A Igreja perdera, em suma, a sua humildade. Tornara-se rica, poderosa, respeitável, mas corrupta.

 
Aqueles que haviam se tornado os líderes da Igreja, tornaram-se ditadores segundo o espírito do império. Em suma: o reinado de Cristo fora rejeitado! Em seu lugar surgira uma trindade de reinados - reinado do céu, reinado de Roma e reinado da Igreja!

 
Evidentemente, o Cristianismo puro, simples e Maravilhoso de Jesus, o Nazareno, fora conspurcado! A Igreja do Cristo vivo perdera a sua dignidade! Estava em decadência.
 

XXIII - OS ÚLTIMOS ANOS DE CONSTANTINO
 

Os últimos anos de Constantino não foram diferentes daqueles que ele passou na conquista do Império, nem pelos transcorridos ao curso do seu governo. Isto é, foram assinalados por lutas, polêmicas, desentendimentos, invejas e constantes divergências.
 

Vitória e Derrota:
 

Na verdade, a vitória de Constantino sobre o imperador Maxéncio, e depois sobre Licínio, valendo-lhe a posição de imperador romano, foi uma vitória relativa; talvez tivesse sido uma derrota!

 
- Por quê? Enormes foram as transformações pelas quais passou a Igreja Cristã, a maioria das quais fruto da ação do próprio imperador. No entanto, nem todas as transformações foram vantajosas.

 
Se é verdade que as perseguições cessaram e o crescimento numérico da Cristandade aumentou rapidamente sob a proteção imperial, não menos verdade é que discussões doutrinárias, que em épocas anteriores teriam sido tratadas como tais, agora assumiam foros de problemas políticos de grande magnitude, e o imperador assumira, em questões eclesiásticas, tal parcela de autoridade, que ameaçava o futuro da Igreja.

 
A Supremacia de Constantinopla:

 
Certa feita, Constantino encomendou a feitura de 50 Bíblias para as igrejas de Constantinopla, a antiga Bizâncio que, após reconstruída, passou, a ser a nova capital do Império. Foi denominada pelo povo, "Constantinopla", em vez de Nova Roma, como pensou chamá-la o próprio Constantino. Tal encomenda foi preparada com o mais fino zelo, por mãos competentes e habilidosas, sob a direção de Eusébio, o qual, por autorização do imperador, fez uso de duas carruagens públicas para o transporte dessas Bíblias.

 
Favores ao Cristianismo:

 
Constantino também baixou leis fazendo do domingo o dia de reunião dos Cristãos, o dia semanal de descanso, proibindo nele todo trabalho, e permitindo que os soldados Cristãos assistissem aos cultos nas Igrejas.

 
Quando Constantinopla adotou o Cristianismo como a religião oficial do Império, existiam somente cerca de seis milhões de Cristãos em todo o Império. Porém, agora que o Cristianismo fora apoiado e aprovado como religião oficial, e imposto à espada, grande parte do mundo de então passou por um batismo de sangue. Desse modo indigno o pseudocristianismo foi reconhecido por toda a parte como a religião dominante no Ocidente.

 
Lamentavelmente, a Igreja oficializada pelo Império Romano, não mais era a Igreja de Jesus Cristo e de seus apóstolos! Ao morrer Constantino em 22 de maio do ano 337, a fé proclamada por ocasião do Concilio de Nicéia, parecia, se não oficialmente renegada, praticamente minada. Apesar de ter feito do Cristianismo a sua bandeira de guerra, nunca se deixou batizar, o que só aconteceu no momento da sua morte, ato celebrado por Eusébio de Nicomédia. Achou ele mais seguro morrer nos braços da Igreja; assim seria, a seus olhos, absolvido dos muitos erros praticados em vida. Com a morte de Constantino, a quem certo historiador chamou de "o grande Cristão de alma paga", a Igreja ficava ferida mortalmente, só não morrendo porque a graça de Deus veio em seu socorro.
 

XXIV - A IGREJA DA IDADE MÉDIA
 

As constantes guerras de conquista na Europa Ocidental, no período da Idade Média, atingiram profundamente a Igreja, que era então mais uma força política que uma extensão do reino de Deus na Terra. O papa tornara-se o senhor absoluto da Igreja que se estendia por todo o território do antigo Império Romano. Aquela que antes dependia só de Deus, tornara-se agora um negócio de homens.

 
A Vida da Igreja:

 
O declínio moral e espiritual pelo qual passava a Igreja no período da Idade Média, refletia-se em todos os seus aspectos em todos os lugares. Veja-se, por exemplo, a situação da Igreja na França, nos Séculos VII e VIII, antes de Bonifácio, o missionário inglês, introduzir nela um pouco de decência e ordem. A maioria dos sacerdotes era constituída de escravos foragidos ou criminosos que alcançaram a posição sacerdotal, sem qualquer ordenação. Seus bispados eram considerados como propriedades particulares e abertamente vendidos a quem oferecesse mais. O arcebispo de Ruão não sabia ler; seu irmão de Treves, nunca fora ordenado. Embriagues e adultério eram os menores vícios de um tal credo que havia apodrecido até à medula.

 
Não há nenhum exagero em dizer se que por toda a Europa, o número de sacerdotes envolvidos com escândalos era bem maior que os de vida honesta. Não somente prevalecia a ignorância e o abandono de seus deveres para com as paróquias das quais deveriam cuidar, eram acusados de roubo e venda dos ofícios. 0 próprio papado, por mais de 150 anos, a partir de 890, foi alvo de atos altamente vergonhoso e vis. O ofício antes honrado por Gregório I e Nicolau, foi alvo de toda sorte de misérias. Alguns dos que ocuparam o trono papal foram acusados dos mais detestáveis crimes. Durante anos, uma família de mulheres ímpias dominou o papado e era entregue a quem elas queriam.

 
 
0 Culto e a Religião Popular
 

O culto que a Igreja da Idade Média ministrava ao seu povo - a ministração dos sacramentos, ocupava a maior parte da adoração, de maneira especial a missa. Os sacramentos eram sete:

1) Batismo;
2) Confirmação;
3) Eucaristia;
4) Penitência;
5) Extrema-unção;
6) Ordem;
7) Matrimônio.

 
Os sacerdotes ensinavam que o simples cumprimento desses sacramentos, era fator determinante para a salvação.
 
A missa era o elemento central do culto, o maior de todos os sacramentos. Era ela celebrada com muito esplendor por meio de cerimônias, movimentos, vestimentas riquíssimas, música solene, belíssimos templos. Muita coisa só para ser vista e ouvida, tudo com o objetivo de impressionar o espírito através dos sentidos. O culto aos santos, principalmente à Virgem Maria, tinha muito significado para o povo. Qualquer história que tratasse de milagres, era ouvida e acatada respeitosamente por todos, como por exemplo, a do comerciante de Groningen que roubara um braço de João Batista, de um certo lugar, e o escondera na própria casa. Cria-se que quando um grande incêndio destruiu a cidade, somente a sua casa escapou.

 
0 Supremo Deus revelado por Cristo já não era o único a quem era dirigido culto. Grande número de outros seres eram cultuados em igualdade com Deus, e até mais que Deus; isso devido à veneração dos mártires, iniciada no II Século. O próprio Constantino mandou erigir um templo em honra de Pedro, enquanto, Helena, sua mãe, chegou a empreender uma viagem a Jerusalém, para ver a verdadeira cruz na qual Cristo foi crucificado, pois corria a notícia de que a mesma havia sido encontrada.  Os Cristãos que viam nos mártires seus heróis espirituais e passaram a aceitar a ideia de vê-los como seus intercessores junto a Deus, e de tê-los como seus protetores. Assim desenvolveu-se rapidamente o espírito de idolatria do povo.

 
A canonização, - isto é, a elevação à santidade, de alguém falecido, - era realizada por um processo regular e dependia das decisões papais. Logo surgiu o costume de peregrinações a sepulcros de "santos" e chamados "lugares sagrados. A mais meritória de todas as peregrinações era, naturalmente, à Terra Santa. Criam que essa viagem uma vez feita, garantia o perdão de todos os pecados que uma pessoa pudesse ter cometido. Não obstante o negro véu espiritual que cobria a Igreja por toda a Europa, não raro, aqui, ali e acolá, ouvia-se uma voz sincera expressando a necessidade de mudança para melhor. Mas, logo essa voz era silenciada pela força da anarquia religiosa reinante na época.

 
As Riquezas da Igreja

 
Desde o imperador Constantino o clero estava isento do pagamento de impostos. Ora, se os homens ricos fossem ordenados, consideráveis somas em dinheiro deixariam de entrar para os cofres do Estado. Para evitar que isso acontecesse, os governos posteriores dispuseram que só fossem ordenados para o sacerdócio os de "pequena fortuna". Como resultado disto eram recrutados homens não apenas de poucas posses, mas também de pouca ou nenhuma formação. Agora a Igreja passou a receber não só ofertas dos fiéis, mas foram-lhe doadas muitas extensões de terras, como também inúmeros edifícios construídos para fins religiosos. Assim a Igreja tornou-se rica e proprietária na Europa Ocidental. Por exemplo, a Igreja dominava a quarta parte dos territórios da França, Alemanha e Inglaterra. Ela possuía de igual modo muitos bens na Itália e na Espanha. Rendas incalculáveis de todas essas terras enchiam os cofres da Igreja, isso sem falar do dinheiro arrecadado na venda das indulgências.

 
0 controle desses bens estava nas mãos dos bispos. Uma disposição do papa Simplício (468-483) determinava a divisão da renda da Igreja em quatro partes: uma para o bispo, uma para os demais clérigos, outra para manutenção do culto e dos edifícios, e a última para os pobres.

 
Movimentos de Protestos

 
Uma das principais causas do fracasso da Igreja dessa época, foi o descuido por parte dos seus líderes para com o povo que a compunha. Os párocos acomodados, se davam por satisfeitos com o que prescrevia o rito latino, o qual nem o povo e às vezes nem eles mesmos entendiam. Não se pense que o povo ficou de todo calado diante de tanto desprezo sofrido, sem lançar os seus protestos e condenação à vida acomodada do clero. Logo no início do Século XII, surgiram vários movimentos de oposição à atitude do clero e o estado moral da Igreja por parte dos homens que conheciam a sua situação. O mais importante desses movimentos teve lugar no sudoeste da França, sob a chefia de Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne. Eles opunham-se decididamente à superstição reinante na Igreja, a certas formas de culto e à imoralidade do clero. Este movimento foi chamado de "Petrobrussiano", e desenvolvem-se por vasta região. Muita gente aderiu a ele, abandonando a Igreja e escarnecendo do clero.

 
Os Cataristas

 
Outra grande força de protesto contra a impureza da Igreja naquela época foi um poderoso partido religioso chamado de "Cataristas". O mesmo se expandiu grandemente no fim do Século XII, alcançando o seu apogeu durante o Século XIII. Na realidade era uma igreja rival que possuía seu próprio ministério, sua organização, seu credo, seu culto e seus sacramentos.

 
Os Valdenses

 
Outro grande movimento de protesto à situação decadente da Igreja foi o dos Valdenses, chefiado por Pedro Valdo, um negociante de Lião. Esse, movido pelo ensino do capítulo 10 do Evangelho de São Mateus, começou a distribuir todo o seu dinheiro entre os pobres, vindo a tornar-se um evangelista itinerante. A ele juntaram-se grandes multidões que faziam frente à Igreja espiritualmente enfraquecida. Foram excomungados pelos papas da época, mas ao final da Idade Média, estavam fortemente organizados. Ainda que perseguidos pela inquisição papal, continuavam sempre ativos no ensino do Evangelho e na distribuição de manuscritos parciais das Escrituras.
 

Os Irmãos
 

Esses dissidentes chamavam a si mesmos de "irmãos", e eram muito parecidos com os Valdenses. Possuíam uma fé muito simples e eram conhecidos pela vida santa que viviam. Nada tinham com a Igreja romana e o seu clero. Realizavam suas reuniões falando a língua do povo. Praticavam a leitura da Bíblia, e pelo crescimento do seu movimento, assim como os Valdenses, promoviam um trabalho missionário muito ativo. A Igreja, porém, nada aprendeu com essa onda de protestos, no sentido de corrigir os seus erros. Sua única resposta foi a Inquisição, através da qual mandava matar os que falavam contra ela e não se retratassem. Tal atitude vaticinava a sua própria condenação no tempo e na história.

 
XXV - WYCLIFFE E HUSS
 

As atitudes tomadas pela Igreja, conforme tratamos no final do Texto anterior, ou seja, o estabelecimento da Inquisição como meio de silenciar os protestos contra os abusos do clero, deram origem a duas revoltas que a Igreja não pôde reprimir, encabeçadas por João Wycliffe, na Inglaterra e João Huss na Boêmia. Ambas aconteceram nos Séculos XIV e XV.
 

João Wycliffe
 

0 espírito de amor cívico nacional que se vinha desenvolvendo na Inglaterra, preparou o caminho para a obra de Wycliffe. Quando ele entrou em luta com o papado em 1375, já a Inglaterra houvera resistido à influência papal nos negócios da Igreja Inglesa. Durante setenta e cinco anos, através de seus reis, seu parlamento e seus bispos, a Inglaterra já vinha desafiando o papa.

 
João Wicliffe, nascido entre 1320 e 1330, já era famoso como o homem mais culto e mais destacado da Universidade de Oxford. Ele era também padre de uma pequena cidade da Inglaterra quando adquiriu a simpatia do povo pobre. Seu primeiro levante foi contra o direito que o papa alegava ter, de cobrar impostos na Inglaterra. Denunciou publicamente o papado e toda a organização clerical e refutou as doutrinas da Igreja Medieval. Por causa do que ensinava contrário a vontade do papa, foi condenado por um Concilio eclesiástico. Mas ele não se calou. Pelo contrário: fez um grande apelo ao povo inglês através de cartas escritas em linguagem simples e ao alcance de qualquer pessoa por mais simples que fosse. Mas, o seu maior trabalho mesmo, foi a tradução da Bíblia latina (a Vulgata) para a língua inglesa. Foi assim que Wycliffe e seus companheiros abriram a Bíblia para o povo inglês. Para espalhar a Bíblia mais depressa, Wycliffe usou os serviços de amigos seus, como os irmãos Loliardos, muitos dos quais eram estudantes em Oxford. Estes, vestidos de roupas simples, descalços, de cajado à mão, dependendo de esmolas, percorreram toda a Inglaterra, conduzindo os manuscritos de Wycliffe e pregando o Evangelho.

 
João Huss
 

Os ensinos de João Wycliffe, dado a penetração que tiveram, ultrapassaram as fronteiras da Inglaterra para dar origem a outro movimento de protestos ainda maior contra a Igreja papal, movimento esse liderado por João Huss. Entre os boêmios, liderados por João Huss, encontramos outra causa de forte motivação nacionalista. Dotado de elevada cultura, respeitado e querido pelo povo, Huss, mostrou-se um líder eficaz para o qual as ameaças não passavam de incentivo à conquista da liberdade.

 
Catedrático da Universidade de Praga, Huss notabilizou-se como o maior pregador daquela cidade onde se tornou o porta-voz nacional dos anseios políticos e religiosos do seu povo. De posse dos livros de Wycliffe, Huss prazerosamente absorveu-lhe as ideias, defendendo o direito de ensinar as verdades de Cristo sem depender do dogmatismo papal. Isto levou-lhe a entrar em choque frontal com os líderes fiéis ao papado. Como insistisse em desafiar o papa, foi excomungado em 1412.

 
0 julgamento de João Huss em Constança foi uma farsa vergonhosa. Protestando sua fidelidade a Cristo, e rejeitando a liberdade que lhe era oferecida em troca da retratação de sua fé e maneira de crer nas Escrituras, foi condenado à fogueira, em Constança, onde sofreu martírio. 0 ódio e a revolta dos boêmios pelo martírio do seu grande herói nacional, não teve limites. Dentre eles surgiu um grande partido que iniciou a guerra pela independência da Boêmia. Nessa peleja derrotaram o imperador alemão, devastaram parte da Alemanha e perturbaram grandemente os negócios da Europa.

 
Depois dessa revolta de caráter político, surgiram os "Irmãos Boêmios", uma poderosa e influente organização religiosa fora da Igreja, cujas ações empolgaram toda a Boêmia e a Morávia, como também algumas partes da Alemanha. Em outras partes da Europa o martírio de João Huss fortaleceu o espírito de revolta contra a Igreja papal.

 
XXVI - A RENASCENÇA
 

O Renascimento significou uma nova visão do mundo, com ênfase sobre esta presente vida, sua beleza e alegria - sobre o homem como homem - mais que sobre o céu ou o inferno futuro e sobre o homem como objeto de salvação ou de perdição. O meio pelo qual se realizou esta transformação foi a reapreciação do espírito da antiguidade clássica especialmente como manifesta em seus grandes monumentos literários.

 
0 Início do Período Renascentista
 

A Renascença teve seu início na Itália. Pelo menos três foram as influências que favoreceram seu aparecimento:

1) 0 enfraquecimento repentino dos dois poderes da Idade Média - o papado e o Império Romano;
2) O poder imperial que entrara em colapso no fim do Século XIII;
3) A mudança do papado para Avinhão, na França, no começou do Século XIV.

 
Era o despertar da humanidade de um sono quase que eterno! Todas as faculdades da natureza humana foram maravilhosamente despertadas e todas as atividades humanas apresentaram substanciais progressos.
 

Petrarca

 
(1304-1374) foi o primeiro italiano renascentista, tendo revelado força dominante. Tinha grande interesse pela literatura latina, especialmente os escritos de Cícero. Foi amigo de príncipes e figura de influência internacional. Faltava-lhe, porém, seriedade profunda; era vaidoso e egoísta. Ainda assim induziu pessoas a um renovado interesse pela antiguidade e por uma nova visão do mundo.

 
A Imprensa e as Grandes Descobertas

 
O movimento renascentista foi ampliado com a grande invenção da imprensa por João Guttenberg, de Mogúncia, pelos idos de 1450. Esta arte espalhou-se com muita rapidez de sorte que muitos livros que eram propriedade de uns poucos, foram multiplicados e espalhados entre um número maior de pessoas. Mais de trinta mil publicações apareceram antes do ano 1500.

 
Nessa época Cristóvão Colombo descobriu a América, e Pedro Álvares Cabral, o Brasil. Maravilhoso ainda foi a descoberta do sistema solar de Copérnico. O mais importante centro do Renascimento italiano foi Florença, se bem que influenciou muitas outras cidades.

 
Com o pontificado de Nicolau V (1447-1455), a Renascença achou, pela primeira vez, poderoso patrono no chefe da Igreja, e Roma se tornou em sua sede principal. A fundação da biblioteca do Vaticano se deve a ela. Esses e outros papas, representaram a Renascença italiana em épocas diferentes, no entanto, sob nenhum aspecto representaram também o espírito real de uma Igreja que para milhões era a fonte de conforto nesta vida e a esperança na que há de vir. Menos ainda, esse papado representava a vida religiosa da Itália. Desse modo o Renascimento só atingiu as classes cultas e superiores. Mesmo assim, o povo mais simples respondia aos apelos dos pregadores do Evangelho e ao exemplo daqueles que consideravam santos, ainda que, infelizmente, poucas vezes com resultados permanentes, exceto em casos individuais.

 
E também neste aspecto da Renascença - renovação ou renascimento cultural - que encontramos uma preparação direta para o advento da reforma da religião.
 

Renovado Interesse Pelas Escritoras
 

A disseminação da língua grega contribuiu para que os homens lessem o Novo Testamento no original. E quando comparavam os belos ensinos de Cristo e dos apóstolos com a vida da Igreja que estava ao redor deles, muitos famosos humanistas se converteram, se transformando em destemidos reformadores. Isto foi o que se verificou principalmente na Alemanha, França e Inglaterra.

 
João Colet, de Oxford, e o grande cultor do Novo Testamento, Erasmo (holandês), representa esse resultado religioso do Reavivamento Cultural. Nessa época a Bíblia adquiriu posição incomum na vida dos homens de cultura; e na proporção que isso acontecia, a Igreja papal caminhava para o maior flagelo de sua história - a Reforma.
 

XXVII - A REFORMA PROTESTANTE
 

No início do Século XVI, a Igreja atravessava uma das fases mais difíceis da sua história. Ela já não era aquela Igreja pequena, simples e pura dos primórdios. Ela cresceu. Surgiram concomitantemente problemas profundo e prolongados. Sacerdotes inescrupulosos fizeram sua aquela que até então era tida como a causa do Senhor. Muitos santos homens, verdadeiros apóstolos da verdade, como João Wycliffe e João Huss, apareceram na sua longa trajetória de quinze séculos, porém, por ordem dos líderes eclesiásticos foram perseguidos, encarcerados, despojados dos seus direitos, e mortos. Mas a morte desses não foi em vão: os livros que escreveram, as mensagens que proferiram e o sangue que deles foi derramado, Deus os fez sementes que, semeadas em terra fértil, a seu tempo nasceriam, cresceriam e frutificariam. O sol da realidade do Evangelho precisava nascer. Enquanto isso, nos campos ressequidos pelo desespero e ignorância espiritual, a esperança reverdecia: nova era viria sobre o mundo.

 
0 despertar da natureza humana se processou de forma tão extraordinária que foi necessária uma nova palavra: RENASCIMENTO. 0 Movimento Renascentista, surgido no Século XIV, assume toda a sua pujança no final do Século XV. Todas as faculdades da natureza humana foram dimensionadas e todas as atividades humanas apresentaram progresso gigantesco. Essa foi uma época de grandes conquistas. Grandes descobertas e inventos tiveram lugar nessa época: Cristóvão Colombo descobriu a América; Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil; o tamanho exato da terra foi determinado; a descoberta do sistema solar de Copérnico revolucionou as ideias humanas a respeito do universo. Também, nessa época foi inventada a imprensa com tipos móveis por Guttenberg. Graças aos seus recursos, as ideias se espalhavam mais rapidamente. A mente humana foi ainda mais despertada e fortalecida para futuros empreendimentos, o maior dos quais veio a ser a Reforma Protestante.

 
XXVIII - MARTINHO LUTERO
 

Sentenciado por ordem papal a morrer queimado, João Huss, um dos mais famosos precursores da Reforma, no momento da sua execução, disse em alto e bom som: "Podem matar o ganso (na sua língua "Huss" é ganso), mas daqui a cem anos surgirá um cisne que não poderão queimar." Cem anos após ditas estas palavras, isto é, a 10 de novembro de 1483, em Eisleben, na Saxônia, nascia Martinho Lutero.

 
Lutero teve um preparo religioso com base na piedade simples da família alemã da Idade Média, misturado de realismo e superstições características da era medieval. Ha sua infância, foi profundamente religioso, mas sem exageros, revelando alegria de viver. 0 grande desejo do seu pai, era vê-lo formado em Direito, e para tanto, com a idade de apenas dezoito anos, ingressou na mais famosa Universidade alemã, a de Erfurt. Levou quatro anos de estudos preliminares. Durante esse tempo, destacou-se como um moço estudioso, orador capaz, hábil polemista, amante da música e admirado pelos colegas.

 
Vocação Religiosa
 

Já estava preparado para iniciar sua vida profissional, quando, de repente, para espanto dos amigos e desapontamento do pai, tornou-se monge, entrando para o Convento dos Agostinianos, em Erfurt. Desejava a certeza da salvação mais do que qualquer outra coisa e com o propósito de alcançá-la empreendeu peregrinações aos locais indicados pela Igreja, jejuns e sacrifícios que às vezes iam além do suportável por uma pessoa normal. No mosteiro, travou consigo mesmo uma grande guerra interior, pois não encontrou ali aquilo que esperava alcançar. Foi um monge de vida exemplar. Contudo, sentia-se extinguir a alma; sofrendo constantes tormentos diante da possibilidade de vir a sucumbir sob a espada da ira Divina. Quanto mais ele tentava alcançar a Deus de acordo com os ritos da Igreja medieval, mais distante de Deus ele se sentia.

 
Influências Benéficas
 

Foi através do Evangelho que Martinho Lutero libertou-se de tanta angústia e terror espiritual. Muitas outras influências contribuíram para isso. O vigário geral da sua Ordem, Johannes Von  Staupitz, ensinou-lhe que Deus era misericordioso, anulando assim seu pensamento de que Deus só fazia castigar, não importando-se por revelar o seu amor para com o homem. Nesse tempo, Staupitz deu-lhe um trabalho a realizar: a responsabilidade de lecionar filosofia na nova Universidade de Wittenberg. Então Lutero, estudando a obra de Bernardo de Claraval, encontrou a verdade a respeito da graça Divina para com os pecadores. Além disso, era ardente leitor da Bíblia, especialmente naquilo que se relacionava com o seu ensino na Universidade.

 
Visita a Roma
 

Antes de se revelar como reformador, Lutero teve uma vida muito agitada. Entrou no mosteiro em 1505; foi ordenado em 1507. Em 1508 foi a Wittenberg, em 1509 a Erfurt, em 1511 foi convidado para ensinar na Universidade de Wittenberg, cidade onde passou a residir desde então. No verão de 1511, a negócio de sua Ordem, fez uma visita a Roma. Rezou em muitas igrejas e lugares sagrados dos santos mártires. Viu muitas relíquias e ouviu muitas estórias dos seus poderes milagreiros. Para livrar seu pai do purgatório subiu de joelhos a Scala Sancta, escadaria que se diz ter sido trazida da casa de Pilatos; em cada degrau recitava o "Pai Nosso". Ao chegar ao topo surgiu-lhe uma pergunta: "Quem sabe se tudo isto é verdade?" Mas isso logo passou; apesar de ter se escandalizado com o que vira em Roma, voltou ao mosteiro e ao seu ensino. Em 1512, tornou-se doutor em teologia em Wittenberg. Depois ele mesmo confessou, que a esse tempo era ainda ignorante quanto ao Evangelho de Cristo.
 

Uma Descoberta Revolucionária
 

Foi no início do ano 1512, enquanto lia a Epístola de Paulo aos Romanos, que Lutero encontrou a declaração revolucionária: "0 justo viverá por fé" (Rm 1.17). Estas palavras como labaredas de Deus, incendiaram-lhe a mente, com vislumbres da verdade que procurava há tanto tempo. Descobriu que a salvação lhe pertencia, simples e unicamente por fé na obra que Cristo consumou na cruz. E foi com o intuito de melhor compreender esta verdade, que empreendeu cuidadoso estudo das Escrituras, e das obras de grandes mestres Cristãos, como Agostinho e Anselmo. Pelo estudo dos Salmos e das epístolas de Paulo, e nas suas preleções, ele afirmou com suficiente clareza e certeza, que Deus salva os pecadores mediante a fé no seu amor revelado em Jesus Cristo. Esta é a verdade da justificação por fé.

 
Contra esta verdade descoberta e agora vivida por Lutero, militavam os ensinos e mestres da Igreja da Idade Média, que pregavam a salvação adquirida pelas obras e sacramentos ministrados pela Igreja. Mas Lutero tinha convicção da verdade que descobriu 75 nas Escrituras e da magnitude das decisões que tomaria a partir daí na defesa da mesma. Essa experiência trouxe novo impulso ã sua vida religiosa; impulso necessário ao seu trabalho de reformar a Igreja que havia sido paganizada.

 
Lutero em Wittenberg
 

Por mais de quatro anos Lutero trabalhou em Wittenberg, decepcionado com a Igreja, mas sem romper com seus líderes. Nessa época, adquiriu projeção como um dos mais destacados líderes da sua Ordem. Suas lições e preleções na Universidade, tinham o sabor de um vinho novo, em comparação ao vinho roto do eterno mesmismo dos demais professores conformados com o estado da Igreja. Ele tinha uma capacidade extraordinária de citar as Escrituras e aplicá-las às necessidades espirituais e morais do povo do seu tempo. As verdades recém-descobertas fizeram dele um pregador notável e dotado de evidente unção do Espirito Santo. Quanto mais ele falava das verdades bíblicas que descobriu, mais claras elas se tornavam. Afinal alguma coisa o levou a falar publicamente a respeito destas grandes verdades.

 
XXIX - O PROBLEMA DAS INDULGÊNCIAS
 

Numa localidade próxima a Wittenberg, onde Lutero morava, em 1517, apareceu um frade dominicano, alemão, de nome Tetzel, enviado pelo arcebispo de Mogúncia para vender as indulgências emitidas pelo papa de Roma.
 

O Que Eram as Indulgências
 

As indulgências eram apresentadas como sendo favores Divinos, concedidos aos homens mediante os méritos do papa, como seja: o poder de perdoar pecados. As mesmas eram adquiridas em troca de dinheiro, que, conforme os que as vendiam, seria usado na construção da Basílica de São Pedro, em Roma.

 
Para comprar as indulgências, vinha gente de lugares os mais distantes. Elas ofereciam diminuição de penas no purgatório. 0 que chegou ao conhecimento de Lütero através do confessionário convenceu-o de que o tráfico das indulgências estava desviando o povo do ensino de Deus, e enfraquecendo seriamente a vida moral da Igreja. Foi aí que Lutero decidiu enfrentar tão grande erro e abuso.

 
0 Que as Indulgências Ofereciam
 

Alberto, Arcebispo de Mogúncia, responsável pela comercialização das indulgências, dá as seguintes instruções quanto ao preço delas, e possíveis favores delas alcançados:
 

1. A primeira graça oferecida pelas indulgências é a completa remissão de todos os pecados; nada maior do que isto se pode conceber, já que os homens pecadores, privados da graça de Deus, obtêm remissão completa por esses meios e de novo gozam a graça de Deus. Além disto, pela remissão dos pecados, o castigo que se está obrigado a suportar no purgatório por causa da afronta à divina majestade, é totalmente perdoada e as penas do purgatório são completamente apagadas. E, embora nada seja por demais precioso para ser dado em troca de tal graça - visto que, é um dom gratuito de Deus e a graça não tem preço - contudo, a fim de que os fiéis Cristãos sejam levados mais facilmente a buscá-las, estabelecemos as seguintes regras, a saber:

 
"Qualquer pessoa que está contrita em seu coração e fez confissão oral, deve visitar pelo menos sete igrejas indicadas para esse fim, a saber, aquelas nas quais estão expostas as armas papais, e em cada igreja deve recitar cinco Pai-nosso e cinco Ave-Maria em nome das cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem é ganha a nossa salvação, e um Miserere, salmo que é particularmente bem apropriado para obter o perdão dos pecados. "O método de contribuição para a caixa de construção da basílica de São Pedro, o chefe dos apóstolos, é este: os penitentes e confessores, depois de terem explicado àqueles que fazem confissão, a grandeza dessa remissão plena e desses privilégios, devem perguntar-lhes qual o tamanho da contribuição - em dinheiro ou em outros bens temporais - que desejam fazer em boa consciência para lhes outorgar esse método de remissão plena e de privilégios; e isto deve ser feito de modo a contribuírem facilmente. Mas como a condição dos homens e suas profissões são tantas e tão variadas, e não podemos considerá-las e pesá-las em particular, decidimos que as taxas podem ser determinadas da seguinte forma, segundo uma classe conhecida:

 
"Reis e seus familiares, bispos, etc. 25 florins de ouro; - Abades, condes e barões, etc.; 10; - Outros nobres e eclesiásticos e outras pessoas com renda de 500 florins; 6; - cidadãos com renda própria 1; - os que ganham pouco, 1/2 florim; - Os que não têm, devem fazer sua contribuição por meio de orações e jejuns, "porque o reino de Deus deve estar aberto aos pobres como aos ricos".
 

2. A segunda graça principal é um 'confessional' (carta confessional) contendo os maiores, mais importantes e até hoje inauditos privilégios: o privilégio de escolher um confessor conveniente, mesmo um regular das ordens mendicantes.
 

3. A terceira graça importante é a participação em todos os benefícios da Igreja Universal; isto consiste em que os contribuintes da dita construção (construção da catedral de São Pedro), juntamente com os falecidos pais, que saíram deste mundo em estado de graça, agora e por toda a eternidade serão participantes de todas as petições, intercessões, esmolas, jejuns e orações e de toda e qualquer peregrinação, mesmo as feitas à Terra Santa; além disto, participação das estações de Roma, nas missas, horas canônicas, mortificações, bem como de todos os outros benefícios espirituais que forem ou serão produzidos pela santíssima e militante Igreja Universal; ou por qualquer um dos seus membros.

Os fiéis que comprarem cartas confessionais também podem tornar-se participantes de todas as coisas. Os pregadores e os confessores devem insistir com grande perseverança nessas vantagens e persuadir os fiéis a não negligenciar em adquirir esses benefícios juntamente com sua carta confessional.

 
"Também declaramos que para obter essas duas mais importantes graças não é preciso confessar-se, ou visitar igrejas e altares, mas simplesmente adquirir a carta confessional. "A quarta graça importante, é em favor das almas que estão no purgatório e é a remissão completa de todos os pecados, remissão que o papa consegue por sua intercessão para o bem dessas almas da seguinte maneira: a mesma contribuição que se faria por si mesma estando vivo deve ser depositado na caixa.

É, contudo, de nossa vontade que nossos subcomissários possam modificar as regras concernentes às contribuições desta espécie, que são feitas pelos mortos e que possa usar de seu critério em todos os outros casos em que, segundo sua opinião, modificações sejam desejáveis. "Além disso, não é necessário que as pessoas que colocam suas contribuições na caixa em favor dos mortos estejam contritos em seus corações ou se tenham confessado, visto que esta graça baseia-se unicamente no estado de graça em que os falecidos estavam ao morrer e na contribuição dos vivos, como é evidente no texto da bula. De resto, os pregadores devem se esforçar para tornar essa graça mais largamente conhecida, pois que, através dela, certamente virá auxílio para as almas dos falecidos e a construção da igreja de São Pedro será ao mesmo tempo melhor promovida." (Documento da Igreja Cristã).
 

XXX - REAÇÕES PAPAIS ÀS TESES DE LUTERO
 

0 conhecimento da verdade adquirida por Lutero, já o fazia capaz para julgar os méritos da venda das indulgências papais, às quais, Lutero via como um verdadeiro assalto aos parcos recursos do povo e completo desrespeito ao futuro eterno do povo alemão. Foi assim que em 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, quando grande multidão comparecia à Igreja do castelo, na cidade de Wittenberg, que Lutero afixara na porta da catedral, as suas 95 teses, que denunciavam o abuso gritante da venda das indulgências papais. Era esse o método mais comum de se anunciar uma disputa, nos meios universitários da época e não havia nada de dramático no ato. Lutero cria que receberia o apoio do papa ao revelar os males da venda das indulgências.

 
Lutero jamais pôde imaginar a repercussão que as suas teses teriam. Myconius, um contemporâneo de Lutero, escreveu sobre as teses do reformador: "As teses, em apenas 15 dias percorreram quase toda a Cristandade, como se os anjos fossem os mensageiros. "Inicialmente, o papa achou graça nas teses de Lutero, dizendo: "Um alemão embriagado escreveu-as." Mas não tardou para que ele mesmo tivesse que mudar de ideia e começasse a agir contra esse "monge rebelde".

 
 
 
 
Lutero Intimado Para ir à Roma
 

A primeira atitude do papa Leão X foi intimar Lutero a comparecer em Roma. Mas o Eleitor da Saxônia, admirador da capacidade do ilustre professor de sua Universidade, temendo por sua vida, resolveu protegê-lo, não permitindo que ele fosse à Roma, ordenando que o caso fosse resolvido mesmo na Alemanha. Seguiram-se as conferências de Lutero com os enviados do papa, que em nada puderam fazer Lutero mudar de opinião quanto a sua nova fé. Pelo contrário, em um debate em Leipzig, Lutero declarou que o papa não possuía autoridade Divina e que os concílios eclesiásticos não eram infalíveis. Foram essas declarações que marcaram o rompimento de Lutero com a Igreja Romana.

 
Lutero no Centro da Batalha
 

Lutero agora estava no centro da batalha. Ele mesmo começava a ver a sua causa como uma causa de redenção nacional. Sua doutrina de salvação e justificação pela fé estava produzindo efeitos inimagináveis. Mas, somente em 1520, que Lutero revelou-se como um grande líder nacional, ao escrever o livro A Nobreza Cristã da Nação Alemã, através do qual proclama a queda das muralhas romanistas, atrás da qual, o papa havia construído seu poder. Logo após, Lutero escreveu outros livros como Cativeiro Babilônico da Igreja e Sobre a Liberdade Cristã.
 

Lutero é Ameaçado de Excomunhão
 

Enquanto era publicado o livro A Nobreza Cristã da Alemanha, publicava-se na Alemanha, a bula de excomunhão de Lutero, coisa que ele já esperava. A bula obrigava Lutero e os simpatizantes da sua causa, a retratarem-se de suas "heresias" dentro de sessenta dias, e ainda determinava que se eles não o fizessem seriam tratados como hereges, isto é, seriam presos e condenados à morte. Pelas autoridades da Igreja foi ordenado ao povo que queimasse os livros de Lutero, ação que foi posta em prática, primeiramente pelos legados do papa. A mesma coisa fez Lutero com os livros que continham os decretos do papa.

 
A 10 de dezembro de 1520, em Wittenberg, foi anunciado um acontecimento notável por Felipe Melanchton. Tinha vindo ele para ali, havia dois anos como professor de grego, tendo então vinte e um anos. Punha-se ele, com todas as suas forças, ao lado de Lutero. Nesse anúncio convidava-se os estudantes para assistirem naquele dia a queima dos "livros maus dos decretos papais e dos teólogos escolásticos". Diante de grande multidão de estudantes, professores, cidadãos de todas as classes, Lutero atirou à fogueira os livros e a então última de todas as bulas, através das quais, o papa ameaçava-o de excomunhão caso não se retratasse.

 
XXXI - A EXCOMUNHÃO DE LUTERO

 
No mês de janeiro de 1521, o papa publicou a terrível sentença final, excomungando Lutero e condenando-o a todas as penalidades consequentes da sua heresia. Mas, para que essa bula tivesse efeito legal, dependia das autoridades civis para levar Lutero à morte. Desse modo, o caso tinha de ir a Dieta Imperial que deveria se reunir naquele mesmo ano, em Worms. Era a primeira Dieta do governo do Imperador Carlos V, o qual estava sofrendo forte pressão do papa para condenar Lutero à morte. Citado a comparecer perante a Dieta, certo de que marchava para a morte, Lutero não temeu. Os amigos de Lutero insistiam para que ele se recusasse a ir a Worms - não foi João Huss entregue à Roma para ser queimado, apesar da garantia de vida dada pelo imperador?! Mas em resposta a todos que se esforçavam por dissuadi-lo de comparecer perante seus terríveis inimigos, Lutero, fiel à chamada de Deus, respondeu: "Ainda que haja em Worms, tantos demônios quanto sejam as telhas nos telhados, confiando em Deus, eu aí entrarei". Depois de dar ordens acerca da continuação do trabalho, caso ele não voltasse mais, partiu resoluto.
 

Lutero Vai a Worms
 

Durante a sua viagem a Worms, o povo afluiu em massa para ver o grande homem que desafiava a autoridade do papa. Em Mora, pregou ao ar-livre, porque as igrejas não mais comportavam as grandes multidões que queriam ouvir seus sermões. Ao avistar as torres dos castelos e igrejas de Worms, levantou-se na carruagem em que viajava e cantou o seu hino preferido, o mais famoso da Reforma: "Castelo Forte é o Nosso Deus." Ao entrar na cidade foi acompanhado por uma grande multidão. No dia seguinte foi levado perante o Imperador Carlos V, ao lado do qual se achavam o delegado do Papa, seis eleitores do império, vinte e cinco duques, oito margraves, trinta cardeais e bispos, sete embaixadores, os deputados de dez cidades e grande número de príncipes, condes e barões.
 
 

Lutero Busca Refúgio em Deus
 

Sabendo que tinha de comparecer perante uma das mais imponentes assembleias de autoridades religiosas e civis de todos os tempos, Lutero passou a noite anterior em oração e vigília. Prostrado com o rosto em terra lutou com Deus, chorando e suplicando. Um dos seus amigos ouviu-o orar assim:

 
"Oh Deus Todo Poderoso! A carne é fraca, o Diabo e forte! Ah, Deus, meu Deus! que perto de mim estejas contra a razão e a sabedoria do mundo. Fa-lo pois, somente Tu o podes fazer. Não é minha a causa, mas sim, é Tua. Que tenho eu com os grandes da terra? É a Tua causa, Senhor, a Tua justa e eterna causa. Salva-me, oh Deus fiel! Somente em ti confio, oh Deus! Meu Deus... vem, estou pronto a dar, como um cordeiro, a minha vida. 0 mundo não conseguira prender a minha consciência ainda que esteja cheio de demônios; e, se o meu corpo tem de ser destruído, a minha alma te pertence, e estará contigo eternamente..."

 
O Estímulo de Um Amigo

 
Conta-se que no dia seguinte, na ocasião de Lutero transpor a porta para comparecer perante a Dieta, o veterano general Greudsburg, colocou a mão no ombro do Reformador e disse-lhes: "Pequeno monge, vais a um encontro diferente, do qual eu, ou qualquer outro jamais experimentamos, mesmo nas nossas conquistas mais ensanguentadas. Contudo, se a causa é justa, e sabes que o é, avança em nome de Deus, e não temas nada. Deus não te abandonará".  Quando o porta-voz do papa exigiu que Lutero se retratasse perante a assembleia, respondeu o Reformador: "Se não me refutardes pelo testemunho das Escrituras ou por argumentos - desde que não creio somente nos papas e nos concílios, sendo evidente que já, muitas vezes se enganaram e se contradisseram uns aos outros - a minha consciência tem de ficar submissa à Palavra de Deus. Não posso retratar-me, nem me retratarei de qualquer coisa, desde que não é justo, nem seguro, agir contra a consciência. Deus me ajude. Amém".
 

Lutero é Livre da Morte
 

A sentença de morte contra Lutero teria de ser cumprida rapidamente, o que não aconteceu porque o príncipe da Saxônia, simulando um sequestro, enquanto Lutero voltava para Wittenberg, levou-o, alta noite, ao castelo de Wartburgo. No castelo, Lutero passou muitos meses disfarçado; tomou o nome de cavaleiro Jorge, e o mundo o considerava morto. Contudo, no seu retiro, livre dos inimigos, foi-lhe concedida a liberdade de escrever, e o mundo logo soube, pela grande quantidade de literatura, que essa obra saíra da sua pena e que, de fato, Lutero vivia.
 
Profundo conhecedor do grego e do hebraico, traduziu o Novo Testamento para a língua do seu povo, em apenas três meses. Poucos meses depois a obra estava impressa e nas mãos do povo. Contudo, a maior obra de toda a sua vida, sem dúvida, foi a de dar ao povo alemão a Bíblia na sua própria língua.
 

Continuação no Volume II
Jorge Albertacci
 
Obras Consultadas no Volume II

 

 
Voltar para o conteúdo